As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 5/5 - Pedro Pereira
O Chichevache
saltou sobre William, tentado atingi-lo com as suas afiadas garras. O guerreiro
teve apenas tempo de se esquivar para a esquerda. Apesar do seu tamanho
colossal, o demónio era bastante rápido.
Aproveitando o
movimento, William rodopiou sobre si e tentou atingir a criatura com a lâmina
da espada, mas esta bloqueou-lhe o ataque com as longas garras.
Não querendo
dar tempo à criatura para contra-atacar, William deu um pontapé no focinho do
demónio, obrigando-o a recuar. No mesmo instante, Moonraiser abriu as
mandíbulas e abocanhou a parte de trás do joelho da besta, ferrando os dentes
na carne.
Com um golpe
rápido, o Chichevache tentou atingir o lobo. Porém, este foi mais rápido e
largou a perna do demónio, afastando-se rapidamente. O demónio deu um salto e
atravessou uma fenda no teto, refugiando-se no telhado da mansão.
Deixando que a
energia que o rodeava fluísse através de si, William recorreu aos poderes do
demónio aprisionado no seu interior. Usando essa energia, deu um salto sobrenatural
e seguiu a criatura para o telhado.
Ao aterrar no
telhado velho, várias telhas deslizaram e caíram para a rua, fazendo Decessus escorregar. Mal recuperou o
equilibro, o guerreiro foi atingido nas costelas por um golpe, sendo projetado
no ar em direção à beira.
Tirando
partido dos seus reflexos sobrenaturais, William agarrou-se à berma do telhado,
evitando assim uma queda que se podia revelar mortal. Usando os seus poderes, o
guerreiro impulsionou-se no ar aterrou novamente no telhado após dar um salto mortal.
William e o
Chichevache iniciaram então uma dança lenta em torno um do outro. Estudavam-se
mutuamente e nenhum dos dois parecia querer ser o primeiro a avançar. Sempre
que Decessus ameaçava atacar o
demónio colocava-se de imediato numa posição defensiva. Já William optava por
usar a espada para bloquear e afastar possíveis golpes da criatura.
William sabia
que não podia manter aquele impasse por muito mais tempo, pelo menos se
esperava sair vitorioso daquele combate.
Foi então que
surgiu uma ideia na mente do caçador de demónios. Podia não funcionar, mas
também podia ser o que precisava para distrair a besta, permitindo-lhe ganhar a
vantagem no combate.
Deixando a
energia fluir através de si, William fez levitar algumas telhas soltas atrás do
demónio, atirando-as contra a nuca da criatura.
A diversão
teve o resultado esperado. O Chichevache desequilibrou-se momentaneamente,
colocando a perna direita numa zona fragilizada do telhado. O peso do demónio
fez com que parte do telhado cedesse, prendendo o membro da criatura na fenda.
Deslizando
pelo telhado húmido, William passou por entre as pernas da criatura. Com a
espada em riste, cravou a lâmina no peito do demónio, fazendo-a rasgar a carne
de cima a baixo. As entranhas da criatura a deslizarem para fora do corpo à
passagem da lâmina. Num salto rápido, Decessus
colocou-se novamente em pé e rodopiou sobre si mesmo. Com a lâmina da
espada coberta de sangue, William recorreu aos seus poderes para ampliar a
força do golpe e atingiu o pescoço da besta decepando-a.
Aproximando-se
do cadáver sem vida, William empurrou a cabeça e o corpo da criatura,
atirando-os do telhado. Caídos na rua, os restos mortais começaram a mudar de
forma, assumindo de novo a aparência humana.
Alguns
populares que passavam na rua repararam em William na berma do telhado da
mansão, segurando uma espada ensanguentada e o corpo mutilado do padre
Alexander caído na rua, sem vida.
– Ele matou o
padre! – exclamou um dos populares.
– Apanhem-no!
Assassino!
Não tardou a
que a rua se enchesse de curiosos.
– Merda… –
praguejou William.
Deslizou pelo
telhado e atravessou a fenda no teto da mansão, partindo de imediato em passo
de corrida.
Moonraiser
aguardava já o guerreiro junto ao cavalo. William montou o garanhão negro e fez
o cavalo partir a galope. Atrás de si, o caçador de demónios ouvia os gritos
irados dos populares ficarem para trás à medida que se afastava da povoação.
Pelo menos, tinha recebido metade do seu pagamento.
Era mais do que recebia na maioria das vezes. Mas no final do dia, era isso que
contava…
As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 4/5 - Pedro Pereira
William passou
o resto do dia a inspecionar o que restava da mansão da família Percy. O fogo
parecia ter-se propagado de uma forma estranha, afetando mais a zona norte da
mansão, destruindo tudo à sua passagem. William parou subitamente quando se
aproximou das propriedades adjacentes a norte. Estas não se encontravam sequer
chamuscadas, dando a ideia que o incêndio consumira a mansão de fora para
dentro. O forte cheiro a enxofre no ar e a propagação do fogo, levava o caçador
de demónios a crer que o incêndio tinha tido causas sobrenaturais.
Acompanhado
por Moonraiser, o caçador vasculhou as poucas divisões da zona sul que tinham
sobrevivido, procurando algum registo da informação que custara a vida à
família Percy. Porém, o fogo atingira a mansão com tal violência que pouco
restava. Apagar o rasto era fundamental para os demónios que se disfarçavam de
humanos. Estes tinham de esconder a sua identidade para manterem o seu terreno
de caça e aquele demónio em particular sabia bem como cobrir os vestígios.
No exterior,
tinha começado a anoitecer, cobrindo o local de sombras, dando um ar ainda mais
desolado ao local.
William ouviu
um som vindo do corredor que dava acesso ao quarto onde se encontrava. Eram
passos… Preparando-se para um possível combate, apertou o punho prateado da
espada.
– Decessus, calculei que o encontrasse por
aqui…
– É um pouco
tarde para explorações. Não acha, padre? – questionou sem retirar a mão do
punho da espada.
Junto a
William, Moonraiser começou a rosnar.
– Descobriu
alguma coisa de interesse?
– Nada de que
eu não desconfiasse já… O que faz aqui a estas horas?
– Vim ver se
já tinha descoberto algo… Realmente foi uma tragédia o que aconteceu à família
Percy – comentou o padre enquanto observava as paredes cobertas de negro.
– Há algo que
eu não percebo em relação ao Lorde Percy, se ele possuía informações
importantes sobre o demónio, porquê avisar apenas Chamberlain? Supostamente o
padre também estava a ajudar a capturar o demónio…
– Está a
insinuar algo? – questionou o padre calmamente.
– É um pouco
estranho ter chegado à vila antes de os ataques começarem…
O clérigo
sorriu e começou a andar lentamente em círculos pela sala.
–
Coincidências…
– Eu não
acredito em coincidências – comentou Wiiliam. – Não me espanta que Chamberlain
e os habitantes da vila não consigam capazes de ver através da sua máscara. O
disfarce de padre benfeitor quase me enganou. Por vezes, a verdade mais difícil
de se ver, é a que está mesmo em frente aos nossos olhos…
O sacerdote
parou de frente para William e sorriu, passando a mão pelos cabelos loiros.
– Estou
curioso… A sua fama precede-o, mas de todos os relatos que ouvi, nunca ninguém
mencionou o seu aspecto peculiar…
– E porque o
haviam de fazer? Não sou propriamente nenhuma rameira com um bom par de tetas…
– Ora, ora...
Não é muito comum encontrar sujeitos com o seu aspecto. Cabelos brancos,
penetrantes olhos amarelos… Nasceu com essas características peculiares, ou desenvolveu-as?
– Quando era
criança, fui possuído por um demónio. Os meus pais arranjaram um padre para
executar o exorcismo, mas o desgraçado tinha pouca experiência e o demónio era
demasiado forte. Eu recuperei o controlo do meu corpo, mas a criatura continua
aprisionada dentro de mim.
– Daí os
cabelos brancos e os olhos amarelos – concluiu o padre. – Mas se assim é, de
certeza que deve ter adquirido outras habilidades bastante úteis…
Decessus deixou escapar um grunhido.
– Ainda não me
disse o que faz aqui, padre?
Alexander
sorriu e dirigiu-se para junto de uma janela, deixando que a luz da lua lhe
banhasse a pele clara.
– Durante a
minha vida, cruzei-me com indivíduos com habilidades pouco naturais. Muitos
destes casos eram deveras fascinantes! Mas você… Você é o primeiro que
conseguiu domar um demónio aprisionado no seu interior. Tal controlo sobre a
criatura decerto que lhe trouxe algumas habilidades.
– E qual é o
seu interesse?
– Digamos que
eu gosto de colecionar capacidades invulgares… Quais são as suas? Força
sobre-humana? Velocidade sobrenatural? Reflexos extraordinários? Ou talvez algo
mais discreto? Vidência, por exemplo?
Wiiliam
apertou com mais força o punho da espada.
– Demasiadas
perguntas – respondeu o caçador de demónios. – Para um Íncubo é bastante
corajoso. Se eu fosse a si já me tinha colocado a milhas, não está à minha
altura…
– Um Íncubo?! Talvez os rumores
sobre as suas capacidades como caçador sejam exagerados…
– Geralmente
são – respondeu William em tom trocista. – Mais uma vez, qual é o seu interesse
nas minhas habilidades?
– Absorver
todas estas habilidades, domá-las, torná-las minhas… Chegará o dia em que
ninguém será capaz de se opor à minha vontade.
– Não me
parece que haja muitas habilidades em Wharron Percy…
–
Infelizmente, a minha fome aumenta com os meus poderes. Toda a gente tem de
comer…
– Um bocadinho
tagarela para demónio sugador de vidas, não? – comentou William.
O padre sorriu
com desdém.
– Não estás à
minha altura, Decessus.
–
Isso é o que iremos ver…
– Sabes o que
vai acontecer a seguir, certo? Vou partir cada osso do teu corpo deixando-te
com dores excruciantes. E quando terminar, sugo-te a vida e os poderes muito
lentamente…
– Prefiro a
versão em que te deixo as entranhas de fora e a cabeça espetada numa lança,
para os corvos a debicarem…
William
desembainhou a espada e lançou-se ao ataque, mas o padre esquivou-se com um
salto sobre-humano. O guerreiro ouviu os ossos de Alexander a estalar, enquanto
este se contorcia e o seu corpo mudava de forma, revelando a sua verdadeira
identidade.
A criatura que
se erguia agora em frente a William tinha uns dois metros de altura, possuía um
corpo musculado, com ombros largos e andava curvada. A transformação do padre
reduzira a sua roupa a farrapos, revelado um denso e espesso pelo de tonalidade
escura. No entanto, e apesar do porte imponente da criatura, era a cabeça que a
tornava verdadeiramente aterradora. Possuía dois enormes chifres, semelhantes
aos de um boi, que lhe nasciam um pouco acima dos penetrantes olhos vermelhos.
O focinho do demónio terminava numa boca composta do que pareciam ser quatro
mandíbulas extensíveis, repletas de afiados dentes e que escondiam uma longa e
musculada língua negra, que terminava em dois aguçados espigões.
O que se
erguia à sua frente não era um Íncubo, mas sim um Chichevache. Os Íncubos, tal
como a sua versão feminina, o Súcubo, alimentam-se da energia vital das suas
vítimas, colocando-as num transe profundo enquanto lhe sugam lentamente a vida
do corpo. Contudo, alguém experiente como William, facilmente seria capaz de
quebrar o transe induzido pelo demónio. Porém, um Chichevache era um adversário
temível. As criaturas podiam viver milénios e serviam-se da sua língua para
sugar a vida e as capacidades às presas. Quantos mais anos viviam, e vidas
ceifavam, mais fortes se tornavam. Avaliando o comprimento dos chifres daquele
Chichevache, tratava-se de um bem antigo e poderoso.
O Chichevache avançou em força sobre William,
obrigando o guerreiro a desviar-se. Aquele ia ser um combate duro…