Os Deuses do Fogo 5/5 - Liliana Novais


Ikiri regressou sozinho para a aldeia. Assim que chegou, foi derrubado por uma força invisível que o mantinha colado ao chão. Olhou para cima e conseguiu ver uma enorme nuvem compacta de pó e destroços que se dirigia para o local onde estava. Apenas teve tempo de se arrastar para se abrigar numa casa antes de ser envolto na escuridão. A casa tremia com o impacto dos piroclastos, esta desfazia-se aos poucos sob o peso do entulho que se acumulava por cima dela e nas ruas. A sua companheira havia libertado o temível vulcão dormente. Agora mais do que nunca, tinha de a parar. Chegara a hora do confronto final.
O deus arrastou-se para fora do entulho a custo, utilizando uma pequena abertura, onde existira uma janela. Apressou-se a subir a encosta íngreme que o levaria até à jovem cratera. O cenário que ele vislumbrava era de perigo eminente e destruição. A lava em ebulição estava prestes a deslizar pela encosta e destruir tudo no seu caminho.
Do outro lado da cratera, Ubasti impedia Miri de se afastar dela, gritando palavras que ele não conseguia ouvir.
Ele tinha de se aproximar rapidamente delas. Saltou para uma das várias rochas que boiavam na lava incandescente. O calor era abrasador, derretendo rapidamente tudo o que caísse dentro daquele caldeirão.
«Ubasti! – Gritou ele, assim que se conseguiu aproximar mais. – Pára com o que estás a fazer!
«Ikiri, vieste assistir à minha vitória! – Gritou ela.
«Não, eu vim impedir-te de cometer uma loucura! Não podes fazer isso, os humanos não te fizeram mal nenhum.
«Não me fizeram mal. – Disse rindo. – Pois, meu caro, eles fizeram sim. As oferendas diminuíram, os humanos estão a deixar de nos temer. Mas desta vez foi demais, algo tem de ser feito antes que nos esqueçam completamente.
«Esta não é solução.
«Estás errado. Esta é a única solução. – Respondeu ela, saltando também para o interior da cratera.
Eles circundavam-se saltando sempre de rocha em rocha.
«Ubasti, eu não te quero fazer mal. Por favor.
«Deixa-me fazer o que tem de ser feito! Falta-te a coragem deixa que seja eu! Estes humanos têm de morrer para começarmos tudo de novo!
«Ubasti, nós já fizemos isto antes. Não resulta. Não me dás outra hipótese!
«E o que é que o temível deus do fogo vai fazer? – Perguntou ela ironicamente. – Deus esse que se esconde sempre atrás da mulher, que não tem coragem de agir.
Enquanto discutiam uma enorme nuvem criou-se no céu e sem pré-aviso ele atacou. Um relâmpago foi lançado em direção a Ubasti. A qual de desviou no ultimo momento.
«Estou a ver que ganhaste coragem, meu amor. Vamos a isto. – Ironizou ela.
Os dois iniciaram uma dança perigosa, saltando de pedra em pedra. Esquivando-se dos relâmpagos que o outro lançava. Ambos eram tão rápidos e graciosos que parecia que a batalha nunca mais teria fim. Um dos relâmpagos que Ubasti lançou, falhou o seu alvo e acertou na berma da cratera, onde a sua filha Miri se encontrava. Esta desequilibrou-se e ficou pendurada e segurando-se a custo.
«Mãe! Pai! Socorro! – Gritou.
Os dois pararam imediatamente o que estavam a fazer e olharam aflitos para a sua filha. Ikiri saltou e apanhou a pequena Miri no ar, antes que ela caísse na lava. A pequena deusa não morreria mas ficaria desfigurada caso tivesse caído.
«Ubasti, tu foste longe demais. Tu tens de ser parada. Miri foge, encontra os teus irmãos. – A pequena choramingou e obedeceu ao pai.
Ele sabia que tinha de o fazer, era a única forma de todos ficarem em segurança. Ele olhou para ela com tristeza, mas não podia alterar o seu fim. Fez com que uma série de relâmpagos provocassem uma derrocada. E assim tudo estava acabado.
Os deuses partiram com os seres humanos para longe daquele lugar, para poderem viver em paz, deixando a deusa subterrada debaixo da gigantesca montanha.




A Senhora dos Dragões - Inverno - Parte 3/5 - Liliana Novais


Estavam sempre lá dois dragões a guardarem a porta. Ficavam naquele lugar durante uma média de 600 anos e depois mudavam. Estavam sempre lá de forma a evitar que entrasse algo, ou mesmo que algo saísse. Alguns dragões eram destacados como caçadores para lhes levarem comida.
- Aluminir! - Este era o seu nome. - Não sabia que tinham mudado os caçadores, o Uhturu nada nos disse da última vez que cá veio trazer-nos comida há umas semanas atrás. Aconteceu-lhes algo? Vens trazer-nos comida? É que estamos esfomeados, já não comemos nada de jeito há algum tempo e não podemos hibernar enquanto estamos aqui. – Perguntou Hubimel, um dragão rubi, que apresentava uma coloração vermelha escura. Tinha as garras afiadas e era maior que Aluminir. Tinha espigões desde a cabeça até ao fim das costas, e a sua cabeça era mais pontiaguda que a da Aluminir.
Antes que ela tivesse tempo de responder ao que Hubimel que perguntara, um outro dragão, um aqua-marina fêmea, surgiu de dentro do lago. Esta espécie de dragões não consegue voar, é um dragão aquático, mas por seu lado, era o melhor nadador de todas as criaturas aquáticas. Sua coloração era azul, e em vez de asas, tinham uma espécie de barbatana enorme para impulsionar o seu corpo quando nadava, com uns olhos enormes para ver nas cavernas escuras subaquáticas. Era longo e esguio, de forma a poder estreitos rios e também, para serem velozes.
- O que foi Hubimel? Quem é que é esta?
- Sim, Haquarina, deixa-me apresentar uma antiga amiga dos meus tempos de infância, esta é a Aluminir.
- Prazer. Vieste trazer-nos comida? – Inquiriu-a, olhando diretamente, afastando a pupila que protegia os seus olhos debaixo de água.
- Prazer Galtinar.- Que quer dizer guardião da porta. - Peço-vos desculpa mas não venho trazer-vos nada.
- Então porque vieste até cá? - Perguntou Hubimel. No lago, Haquarina agitou-se, não estava a gostar do que ouviu, não fazia sentido visitas, principalmente destas, só os caçadores é que ali iam e mais ninguém, nem mesmo família.
- Se não nos vieste trazer comida, o que vieste aqui fazer? - Perguntou Hubimel.
- Vim aqui para vos pedir que me deixem ir até ao mundo exterior.
- E porque é que havíamos de fazer isso? Consegues dar-nos uma razão plausível? - Resmungou Haquarina.
- Eu vim aqui por desespero. Este é o meu último recurso, já não sei mais o que fazer. Vocês sabem que este Inverno tem sido muito rigoroso, e que tem sido muito difícil encontrar caça de grande porte para alimentarmos as nossas crias…
- Sim sabemos, o Uthuru disse-nos que estava muito complicado lá fora, e por isso iria demorar algum tempo até nos conseguir trazer comida novamente. Foi por isso que achamos que nos vinhas trazer comida. Mas, interrompi-te, continua. – Disse Hubimel.
- Obrigado Hubimel. Tal como estava a dizer, o Inverno está a ser tão rigoroso que não consigo caçar nada para alimentar as minhas crias, e se não conseguir caçar nada, depressa elas acabarão por morrer.
- E o que temos a ver com isso? – Perguntou Haquarina - O que pensas que vais fazer lá fora? Sabes lá se no mundo exterior o Inverno não foi tão rigoroso como aqui. Estás a atirar-te para o desconhecido quando o que devias era fazer era esperar.
- Pelo menos, se for lá fora, estou a tentar fazer algo. Não estou parada a ver as minhas crias a morrerem, não posso ficar parada e deixar isso acontecer. Pelo menos tento caçar algo.
- Mas isso é muito perigoso, se um humano te vê pode alertar alguém e podem matar-te e aí, o que vai ser das tuas crias? – Perguntou Hubimel. – Se te acontece algo lá, estás por tua conta e risco, nenhum de nós te pode ir ajudar. Não nos podemos arriscar no mundo exterior, temos de permanecer mortos para eles, de forma a sobrevivermos.
- Eu sei muito bem disso. Eu terei o máximo de cuidado. Não se esqueçam que são as minhas crias que dependem disso. Não me posso descuidar, eu sei, não é só a minha vida que está em risco assim que passar por aquele portal, sei que arrisco tudo, a minha vida e das minhas crias, que caso eu seja morta ou capturada elas ficam só com o pai, o que é muito difícil. Arrisco também a vida de todos os que habitam esta terra, pois se os Slang – nome que os dragões davam aos humanos que viviam no exterior do mundo mágico - me virem, tentarão descobrir de onde eu vim e podem encontrar este lugar, o que seria catastrófico. Mas mesmo assim, a vida das minhas crias está acima de tudo, e por isso tenho de me arriscar a ir.
- Não é que não entendamos a tua situação, Aluminir. Nós os dois entendemos perfeitamente. – Disse Haquarina. – Mas tenta também te colocar na nossa posição se algo correr mal, quem tem de responder em frente ao conselho somos nós, e somos nós que temos de acartar com a punição que nos incutirem por te termos deixado passar. Tu já estiveste na nossa posição, e sabes bem que o que nos exigem não é nada de mais a não ser protegermos a nossa própria existência. Pelo que uma decisão dessas não deve ser tomada de ânimo leve. Eu e o Hubimel vamos conversar e já te respondemos.
Após uns minutos de conversa os dois dragões viraram-se para Aluminir.
- Sabendo qual é a tua situação, vamos abrir uma exceção. E aceitamos qualquer punição que nos seja incutida. Vai e que tenhas uma boa caçada, e que consigas salvar a tua família.
- Obrigada Galtinar.
As portas massivas começaram a abrir-se lenta e pesarosamente, rangendo devido à falta de uso. O som ecoava por toda a caverna. Era um som que gelaria o sangue aos mais fracos, pois parecia-se com o rugir de guerra de um dragão quando se preparam para esta. Aluminir pensava em como isto passaria despercebida no mundo exterior.
Continua




Os Deuses do Fogo 4/5 - Liliana Novais


O piso das ruas de terra batida começou a estalar e a abrir-se. Das fendas emergia um vapor quente que se elevava a velocidades estonteantes sob a forma de jatos. Ikiri olhava em volta, o pânico dominava todos os habitantes, que não sabiam para onde ir. Gritavam histericamente os nomes dos seus amados. As mulheres agarravam as suas crianças chorando compulsivamente, sentadas no chão que tremia. Havia quem corresse pelas ruas sem destino, arriscando-se a ser morto pelos jatos. Corpos esfolados e vermelhos espalhavam-se pelo chão aumentando a confusão e a histeria coletiva.
O deus percebeu que sozinho não conseguiria fazer nada, tinha de encontrar os seus filhos antes que fosse tarde demais. Ao longe, conseguiu distinguir as formas dos seus dois filhos que iam ao seu encontro.
«Pai, o que se passa? Qual o motivo para esta confusão? – Perguntou Atam, o mais velho. Este havia herdado a beleza e a delicadeza da mãe.
«É a vossa mãe, eu não sei o que causou isto, mas ela está incontrolável. Temos de a chamar à razão. Mas primeiro temos de guiar os humanos para fora do perigo. Em breve a montanha vai explodir e matará todos os que se encontrem no seu caminho.
«Nós ajudamos-te no que for necessário, pai. – Respondeu Fibari, uma cópia perfeita do seu progenitor.
Os três começaram a organizar os aldeões assustados, tinham de os afastar o mais possível daquele lugar. Era uma corrida contra o tempo. Entravam em casas que estavam quase em ruínas e retiravam os seus moradores assustados. Levavam mulheres e crianças ao colo para a praça central. Dali tinham de encontrar um caminho a seguir, de preferência o que os levaria mais rapidamente para fora de perigo.
As casas ruíam à sua volta, enquanto os deuses avançavam rapidamente, tentando proteger os humanos da melhor maneira que conseguiam. Os jatos não paravam de surgir nos mais inesperados lugares. Era um autêntico cenário de guerra, entre a deusa e os humanos. Guerra essa que, estes últimos, não conseguiriam ganhar de forma nenhuma, sem ajuda divina.
Acabaram por conseguir sair das ruas e subir para um monte afastado. Ikiri iniciou o percurso de regresso à montanha.
«Pai onde vais? – Perguntou Atam.
«Vou parar a tua mãe.
Continua…



As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 3/5 - Pedro Pereira


William analisava cuidadosamente o dragão dourado bordado na enorme tapeçaria vermelha. As suas capacidades únicas permitiam-lhe ver cada ponto dado com grande detalhe. Quase que conseguia reconstruir mentalmente o momento em que aquela peça fora criada. Era sem dúvida o trabalho de um mestre artesão, uma peça digna para adornar o salão de um nobre.
– A minha família é detentora de grande parte dos terrenos em torno de Wharrom Percy. A vila tem prosperado graças aos imensos esforços que gerações de Chamberlain têm feito – declarou o Lorde Chamberlain, quebrando a linha de raciocínio do caçador de demónios.
O fidalgo era gordo, careca e ostentava uma espessa barba negra. Vestia umas calças negras e um gibão branco e, em cima, um pelote negro de meias mangas, com uma capa aberta e frisada de cor encarnada. Os trajes que envergava não deixavam qualquer dúvida de que se tratava de um nobre e de que estava habituado a ser tratado como um.
– Estes ataques ao povo são péssimos para os negócios… Os desgraçados até já têm medo de sair à rua!
William batia com os dedos impacientemente no braço do cadeirão onde se encontrava sentado. Se havia algo que o caçador de demónios detestava, era conversa da treta. Perdera já a conta ao tempo a que estava a ouvir os disparates do nobre, sem que este lhe pagasse ou fosse direto ao assunto.
– Imagine o que acontece quando as noticias chegarem aos ouvidos dos comerciantes que por aqui passam! Vou ter um prejuízo enorme! Já me chega os meus trabalhadores não produzirem o mesmo às custas desta situação!
Tentando abstrair-se da enfadonha conversa do nobre, William desviou o olhar e recomeçou a estudar o salão. Junto ao guerreiro, Moonraiser encontrava-se deitado sobre um luxuoso tapete encarnado e entretinha-se a mordiscar-lhe as pontas.
– Como tal, é trabalho da minha família assegurar o bem-estar da população desta vila! Foi a missão do meu pai, do meu avô e de muitos outros Chamberlain antes deles!
William levantou-se e preparou-se para abandonar o ostentoso salão.
– Espere! Onde vai?! Ainda não falámos sobre o demónio! – protestou o nobre.
– Nem vamos falar… Eu não vim aqui para ouvir contar a história da grande família Chamberlain. Estou-me nas tintas para quantos terrenos tem ou para os seus negócios com os comerciantes! Eu vim aqui porque me disseram que tinha um trabalho e que ia ser bem pago…
– Sim, mas é claro que sim! Por favor, deixe-me oferecer-lhe um copo do nosso melhor vinho!
Não querendo perder mais tempo, William dirigiu-se para a porta. Naquele momento a porta abriu-se, permitindo a entrada de um homem de batina.
Ao lado de William, Moonraiser começou a rosnar ao desconhecido.
– Oh, bons olhos o vejam, padre Alexander! Estávamos mesmo à sua espera! Por favor, junte-se a nós!
O padre era mais alto que William, o seu corpo era esguio, dando-lhe um ar frágil. Os seus cabelos loiros e lisos estavam penteados na perfeição. O negro das suas vestes clericais contratava com o tom claro da sua pele.
William sentiu que os olhos azuis do padre o percorreram de alto abaixo. A maioria das pessoas acabava demasiado intimidada pelo seu aspeto, mas o padre não. Havia qualquer coisa de perigoso no religioso. Disso, William estava certo.
– É um prazer conhecê-lo – declarou o padre num tom de voz apático.
William apertou a mão ao padre e voltou a sentar-se sem tirar os olhos do clérigo.
– O padre Alexander tem ajudado a combater o demónio. Ele chegou a Wharram Percy pouco antes de os ataques começarem.
– É um infortúnio o mal que se abateu sobre esta população – declarou o padre, passando com a mão pelos cabelos loiros.
– Já conseguiu identificar o tipo de demónio com que estamos a lidar?
– Infelizmente não. Mas parece ter uma atração especial por mulheres. Ainda não houve uma única vítima masculina. Que as suas almas descansem em paz!
– Já houve vítimas masculinas! Ou está a esquecer-se do que aconteceu à família Percy?
– O que aconteceu?
– O Lorde Brom Percy enviou-me uma mensagem na qual afirmava ter descoberto o covil do demónio. Ele estava a trabalhar connosco para deter a criatura… Apenas tive tempo de informar o padre Alexander de que o Lorde Percy descobrira algo.
– Nunca teve a oportunidade nos contar o que descobriu – continuou o padre. – Infelizmente, nessa mesma noite a mansão dos Percy ardeu. Toda a família morreu… Uma tragédia!
– E que conveniente para o demónio! Se o vosso demónio prefere rabos de saias, muito provavelmente é um Íncubo. Vou até ao que resta da mansão dos Percy ver se descubro algo sobre a criatura.
– Faça como entender melhor – declarou o nobre.
– Mas antes disso, vamos ao que interessa… As minhas quinhentas moedas de ouro.
– Quinhentas moedas?! Quem pensa que é para cobrar semelhante quantia a um povo necessitado?! – protestou o padre.
– Eu não vivo de esmolas, padre. Além disso, se eu estou aqui é porque vocês não conseguem tirar esse cú gordo da cadeira para tratar do assunto…
– Lamento, mas concordo com o padre Alexander. Quinhentas moedas de ouro é uma quantia bastante elevada…
– Bem, nesse caso divirta-se com o seu demónio! Tenho a certeza de que o corajoso Lorde Chamberlain o consegue vencer num combate com a preciosa ajuda do padre…
Mais uma vez, William virou costas ao nobre e preparou-se para sair do salão.
– Espere! – pediu o fidalgo. – Digamos que eu consigo reunir essa quantia… Que garantias tenho de que depois de lhe pagar, não se vai limitar a fugir com o dinheiro?
– Não tem… Mas se quer o demónio morto, vai ter de correr esse risco.
O Lorde Chamberlain aproximou-se do padre e começaram os dois a sussurrar. Por fim, o nobre afastou-se do clérigo e virou-se novamente para William.
– Vai receber metade do pagamento agora e a outra metade quando me trouxer a cabeça do demónio. Veja isto como uma garantia de que o trabalho vai ser feito.
– Muito bem! Temos negócio – declarou William.
O nobre dirigiu-se então à sua secretária e, de uma das gavetas, retirou uma bolsa de pele. De seguida, aproximou-se de William e deu-lhe a bolsa cheia de moedas.
– Metade agora e o resto quando o demónio estiver morto.
O caçador de demónio guardou a bolsa e abandonou a mansão, sempre seguido de perto pelo imponente lobo. Estava na hora de caçar demónios e, se os instintos de William estivessem certos, não se teria de esforçar muito para encontrar a criatura. Ela iria ter consigo…
Continua…





Os Deuses do Fogo 3/5 - Liliana Novais


Ao ver aquele cenário, Ikiri paralisou por momentos. Ele tinha que a travar. Aquilo era apenas o início, as coisas iriam piorar rapidamente. Saiu do templo em direção à aldeia, à procura de Ubasti.
O tempo piorava a cada minuto que passava.
Ubasti percorria as ruas da aldeia como se esta fosse sua. Procurava uma razão que justificasse a sua raiva.
«Mãe. O que fazemos aqui? – Perguntou Miri, confusa.
A deusa acordou do seu transe ao ver a filha. Era melhor ela estar ali, assim aprenderia desde cedo como um deus se devia comportar em situações como aquelas. As ruas estavam a encher-se rapidamente com os aldeões que haviam acabado de acordar. Eles olhavam incrédulos para ela, nunca a haviam visto a passear. Ela dirigiu-se para a praça central, onde um viajante estava sentado a conversar.
«O meu Deus não é pretensioso nem egoísta, ele pensa em nós em primeiro. – Ouviu ela o estranho a comentar, o que a enfureceu ainda mais. O vento começou a rugir alto em conformidade com a irritabilidade da deusa. – Ele mandou-me aqui para partilhar com todos o seu amor e a sua dedicação. É um Deus misericordioso, ao contrário de si. Sim, eu sei quem é. Os meus antepassados contavam histórias de como você destruiu uma aldeia inteira devido às indiscrições do seu marido Ikiri.
Ubasti estava furiosa, aquele humano ousava criticá-la, ele que não era nada em comparação a si. Dotada de uma força sobrenatural, arrancou o coração do peito do visitante com as suas próprias mãos. O coração ainda deu alguns batimentos na mão da deusa, enquanto o corpo do homem jazia no chão, pintando-o de vermelho. Os humanos que se encontravam na zona a ouvir a discussão, desataram aos gritos e a correr, tentando fugir da deusa. O pânico estava instalado.
Ikiri chegou tarde, aos seus pés jazia o corpo do visitante. O mesmo com quem ele falara no dia anterior. Era um homem simples e em nada ameaçava o seu estilo de vida. Havia espaço para todos os Deuses e todas as religiões, apesar de a sua companheira não concordar consigo. Um ronco soltou-se das entranhas da montanha. Esta estava a acordar…
Continua…






A Senhora dos Dragões - Inverno - Parte 2/5 - Liliana Novais


Enquanto voava, Aluminir relembrava as palavras bruscas que o seu companheiro trocara com ela.
«Aluminir, não sei o que mais eu posso fazer para te alegrar. – Começou ele irado.
«Não entendo, Seneth. Eu não te estou a pedir nada. – Disse ela confusa, não percebendo o sentido que aquela conversa tomaria.
«Eu sei que não estás, mas eu como pai tenho de prover para a minha família. Eu tenho de trazer o sustento e tenho falhado. – Ele encontrava-se desolado por não conseguir encontrar alimento.
«A culpa não é tua, mas sim deste maldito Inverno que não acaba. Temos de ter paciência, tudo vai melhorar. – Ela tentou acalmá-lo, desejando no fundo do seu ser ter razão, e que em breve tudo melhoraria.
«Dizes isso para me alegrares, mas nada me prova que tens razão. Os animais já deveriam ter voltado nesta época do ano. E eu não consigo ir mais longe para os procurar e regressar a tempo de alimentar as nossas crias. – Exaltou-se ele, Aluminir aproximou-se delas que se haviam assustado com o seu pai.
«Tem calma, Seneth. Estamos aqui os dois, havemos de conseguir superar tudo, como é hábito.
Ela voava por cima dos picos altos da cordilheira, brancos pela neve que caíra, sendo que nos mais altos esta nunca derreteria. Nos vales que se estendiam por toda a cordilheira, os rios estavam gelados, muitas árvores da floresta estavam envolvidas pela neve. Esta parecia um lugar desolado e sem vida. Voou durante muito tempo, sempre pensando como poderia convencer os dragões que guardavam o portal a deixá-la atravessá-lo. Sabia que assim que o transpusesse estaria por sua conta e risco, caso algo corresse mal, ninguém poderia ajudar, nem mesmo Seneth sabia para onde ela iria. E quando descobrisse, talvez já fosse tarde demais, pois não poderia abandonar assim as crias.
A Porta Branca era um portal que unia o mundo mágico ao mundo exterior, esta era guardada por dois dragões, conhecidos entre os dragões como Galtinares. Existiam várias portas, as quais eram guardadas por diferentes espécies de criaturas que viviam naquele mundo.
Avistou, ao longe, a montanha mais alta da cordilheira. Finalmente chegara, ela sabia que o portal estava nesta montanha que apenas podia ser alcançada por ar. Dirigiu-se para esta sem mais demoras pois o tempo escasseava, aterrou perto da entrada e dirigiu-se para o seu interior.
A entrada da caverna era colossal, pois tinha de permitir a entrada a todas as espécies de dragões, desde as espécies mais pequenas até as maiores. Avançou na escuridão que estava no interior, mas tal não era um problema porque os dragões vêm muito bem na escuridão. Logo, mesmo estando escuro, ela podia ver bem por onde andava. A entrada era em tudo semelhante às entradas das grutas onde nidificavam. Era desprovida de qualquer adorno ou escrita, tornando-a assim numa vulgar entrada de uma gruta. Avançou por um longo corredor, ligeiramente inclinado para a frente, que penetrava cada vez mais no interior da montanha e cada vez mais fundo. Após andar bastante, finalmente chegou à câmara massiva. Parecia que o interior da enorme montanha era oca pois facilmente se podia voar no seu interior. As paredes eram lisas, e estalactites e estalagmites cresciam umas contra as outras até formares colunas enormes que sustentavam toda a caverna. Algumas estavam partidas, talvez por algum dragão que fosse mais desastrado e tivesse colidido com elas, ou mesmo por algum cataclismo natural. Uma enorme cascata de um rio subterrâneo erguia-se à direita, enchendo o ar de nevoeiro e formando uma grande piscina no centro. Do outro lado desta câmara, uma porta maciça erguia-se em torno destas, onde se encontravam desenhadas as 14 espécies de dragões existentes, estando estes representados a prestarem vassalagem aos três dragões titânio que, segundo a lenda tinham criado aquele mundo. Uma inscrição escrita na antiga linguagem dos dragões, a qual apenas por eles era conhecida, encontrava-se em torno deles e estava escrito o seguinte:
Ilanir, Elazir e Xadrantil criaram Ahelanae para proteger todos os necessitados. Se és amigo avança, se és inimigo treme.
Ela avança em direção à porta e fala na língua secreta dos dragões.
- Em nome de Iludir, Elazir e Xandratil criadores de Ahelanae, declaro que sou amiga e peço cedência de passagem. – Assim que acabou de proferir estas palavras, os grandes portões abriram-se para ela passar. À sua frente estendia-se um longo corredor.
Quando chegou ao fim deste estava noutra sala tão, ou mais, colossal como anterior, onde o rio começava num largo lago. Era por este rio que os dragões aquáticos entravam na caverna. Ao fundo desta, estava um dragão rubi deitado, e por trás dele, estava a porta para o mundo exterior, idêntica à porta anterior mas sem o texto escrito. As paredes estavam incrustadas de pedras preciosas que brilhavam com a luz do Sol que entrava por uma pequena abertura no topo da caverna.
Continua



Os Deuses do Fogo 2/5 - Liliana Novais


Os primeiros raios de sol espreitavam pelo topo da montanha, iluminado o vale que se estendia até ao horizonte. Todos os dias àquela hora, em que os habitantes da aldeia ainda dormiam, ela descia do seu castelo, no topo montanha em busca das oferendas que os aldeões lhe haviam deixado no dia anterior. Adorava as frutas acabadas de colher, as quais eram adocicadas pelo sol dos trópicos.
Nessa manhã, Miri acompanhava-a. Era a primeira vez que a pequena Deusa se encontrava no mundo dos humanos e sentia-se fascinada pelas cores e pelos animais que despertavam. Ela sentia curiosidade em relação aos humanos, queria ver um mas sabia que a sua mãe nunca lhe permitiria aproximar-se deles. Facto que a entristecia bastante.
O templo era vasto, colunas sumptuosas suportavam o teto abobadado. A pequena Miri ficou encantada com o engenho que os humanos apresentavam, eles conseguiam construir coisas lindíssimas sendo incapazes de dominar as forças da natureza. Atrás do altar encontravam-se imagens gigantes dos seus pais, estranhamente semelhantes à realidade. Pousados sobre a toalha branca bordada encontravam-se travessas e cestos repletos de comida.
Miri observou a mãe enquanto ela vistoriava o conteúdo de cada um deles, e os inspecionava cuidadosamente. A deusa movia-se com graça e elegância através do salão. Ela viu a sua mãe ficar zangada, as velas que se encontravam espalhadas, arderam com mais intensidade, com a fúria desta. Ela ficou assustada com a reação da mãe, nunca a vira assim. A deusa saiu furiosa do templo. O céu que se encontrava limpo encheu-se de nuvens e formou-se uma tempestade.
Ikiri, que ainda repousava, foi acordado pela tempestade. Sabia que Ubasti tinha que estar por detrás daquela repentina mudança climatérica. Tinha de a parar antes que ela destruísse tudo. Ele não queria ter de recomeçar com uma nova aldeia, ele que tanto amava aqueles humanos. Desceu ao templo em busca dela, mas este estava em chamas. O fim havia começado.







As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 2/5 - Pedro Pereira



 Na manhã seguinte, William levantou-se cedo, como era habitual. O facto de ter uma identidade demoníaca aprisionada no seu corpo, fazia com que o seu organismo recuperasse rapidamente, tanto da fadiga das viagens, como dos golpes que sofria em combates. A sua condição única tornava-o forte e resistente, pelo que as muitas horas de cavalgada do dia anterior, não eram mais do que uma brincadeira de crianças.
                No final da noite anterior, o guerreiro ficara a saber que o homem que o abordara era um dos servos do Lorde Chamberlain, um dos fidalgos da vila. O homem comprometera-se a agendar um encontro com o Lorde nessa manhã, na qual o fidalgo pagaria a William pelos seus serviços.
William tentara retirar algumas informações do homem sobre o tipo de demónio que estava prestes a enfrentar, no entanto, não tivera sucesso. Muitas das descrições que o homem lhe dera, eram imprecisas ou contraditórias. Isto para não falar que era difícil diferenciar o que correspondia à realidade do que era criação da plebe. Os populares, por medo e desconhecimento das criaturas das Trevas, tinham tendência a exagerar nos seus relatos. Um caçador de demónios experimente, sabia que não podia confiar por completo nas histórias do povo, caso contrário, teria de se satisfazer com descrições de criaturas que cuspiam fogo da boca e lançavam raios pelo cú.
A manhã estava cinzenta, e a chuva continuava a cair do céu carregado de nuvens, apesar de já não o fazer com tanta intensidade.
Assim que saiu da estalagem, Moonraiser foi cumprimentá-lo, como se de um cão se tratasse. O lobo cinzento tinha o focinho coberto de sangue seco, pelo que William calculou que alguns dos camponeses tivessem perdido uma ou duas galinhas durante a noite. William afagou a cabeça do animal e seguiu o seu caminho, com o lobo no seu encalço.
Ainda faltavam algumas horas para o suposto encontro com Lorde Chamberlain, pelo que, o caçador de demónios decidiu explorar a vila. Uma das regras básicas no que tocava a caçar, era conhecer o local onde iria decorrer o combate. Decessus era demasiado experiente para saber que estar familiarizado com a região, lhe podia conceder a vantagem num momento critico, ou mesmo salvar a vida.
 Acompanhado por Moonraiser, William estudou Wharrom Percy de uma ponta à outra, enquanto a maioria dos habitantes ainda dormia. A vila era composta praticamente por uma única rua, com casas de ambos os lados. Pelas contas de William, devia haver umas trinta e sete. Atrás de cada casa, existiam os campos de cultivo. Havia ainda uma igreja, e duas mansões, uma das quais certamente pertencia à família Chamberlain. Contudo, foi a outra mansão que chamou a atenção de William.
A enorme residência, claramente pertencente a alguma família da nobreza, fora alvo de um incêndio. A zona norte da mansão fora praticamente reduzida a cinzas, não restando muito mais do que algumas paredes enegrecidas pelo fogo. A zona sul parecia ter sido menos afectada. Apesar de apresentarem um ar instável, as ruínas ainda permitiam reconhecer os traços arquitectónicos da mansão. Do exterior, parecia que algumas das divisões da região sul se mantinham relativamente intactas. Porém, o que era curioso era o facto de as casas adjacentes à zona norte, a mais afectada, se encontrarem incólumes.
William acabou por perder mais alguns segundos a olhar para as ruínas antes de se dirigir para a mansão do Lorde Chamberlain. Começava a fazer-se tarde, e William não gostava de chegar atrasado.
Enquanto atravessava a povoação pela segunda vez, Decessus foi vítima dos olhares curiosos dos habitantes da vila que já tinham iniciado o seu dia de trabalho. A figura sinistra de William e o porte ameaçador de Moonraiser, atraíam a atenção de alguns dos populares.
 Ao chegar à mansão dos nobres, William bateu à porta e ficou a aguardar que algum criado o fosse receber. Não tardou para que um sujeito de bigode e ar empertigado lhe abrisse a porta.
– O Lorde Chamberlain aguarda-o – declarou o criado.
– Aposto que sim!
William preparou-se para avançar, mas o criado barrou-lhe o caminho, apontando de seguida para o lobo.
– Essa criatura não pode entrar!
Como que compreendendo as intenções do criado, Moonraiser mostrou os dentes ao humano e começou a rosnar, fazendo o criado recuar alguns passos atabalhoadamente.
– Tens a certeza de que queres discutir isso com ele? – questionou William apontando para o lobo. – Eu cá não tentava a minha sorte…


Decessus empurrou a porta e avançou pela casa sem o consentimento do criado, sendo seguido de perto pelo imponente lobo.

Continua…





Os Deuses do Fogo 1/5 - Liliana Novais



A aldeia cresceu à sombra da montanha. Os seus antepassados haviam-se fixado ali milénios antes, porque os deuses que a habitavam eram bons e haviam abençoado a terra com fertilidade. Tudo o que ali plantavam florescia, e a aldeia prosperava. Como agradecimento da bondade que eles demonstravam, os habitantes sacrificavam animais num templo sagrado e deixavam as carcaças para que estes os continuassem a favorecer. A tradição manteve-se e os Deuses continuaram a ser favoráveis para a aldeia.
Ikiri, o Rei dos Deuses, via os seres humanos com curiosidade e visitava-os frequentemente. Era o mais alto de todos, numa casa humana, a sua cabeça roçava no teto. Nem um lutador de sumo era tão imponente como ele. Tinha uma atitude meiga e felina, conseguia ser tão dócil quanto um gato doméstico e como feroz como um gato de rua, os seus olhos eram iguais aos destes. A sua rainha, Ubasti, era a mais bela de todas e vaidosa. Era viciada em toda a idolatração que os seres humanos manifestavam por ela.
«Mãe, porque é que os seres humanos vivem no sopé da nossa montanha? – Perguntou Miri, a mais nova filha do casal, tão bela quanto a mãe, mas com os cabelos cor de fogo do pai.
 «Os seres humanos criam e plantam os animais que comemos. Eles vivem para nos servir e adorar. – Explicou a deusa loira à sua filha, enquanto acariciava o seu cabelo com carinho.
Ikiri entrou nos aposentos, onde ambas se encontravam a repousar.
«Mais um dia no meio dos humanos, meu amor? – Perguntou a rainha. – Eu sinceramente não entendo porque é tu gostas de permanecer tanto tempo no meio deles. São criaturas primitivas e sem sabor, cuja única utilidade é servirem-nos e adorarem.
«Eles são muito mais do que isso. São realmente fascinantes. Se os conhecesses realmente, ao invés de permaneceres fechada neste palácio sem teres contacto com o mundo real, acabarias de ter a mesma opinião que eu. Vem comigo da próxima vez e verás com os teus próprios olhos como eles mudaram.
«Tu podes ter convencido os nossos dois filhos mais velhos a te seguirem nessas aventuras no mundo inferior, mas ao fim destes milénios ao meu lado, já deverias saber que não vou sair daqui para me rebaixar e passear no meio daqueles humanos.
Ele sabia que não valia a pena discutir com ela. Nunca haveria de mudar, já se havia resignado com isso. Sabia que a tinha de manter feliz e calma. Ela era a Deusa da montanha e do fogo. Aqueles não eram os primeiros seres humanos a habitarem aquelas paragens, ela acabara com uma civilização anteriormente e seria bem capaz de o fazer de novo. A memória dos humanos era curta, e a história já se havia tornado mito, mas para ele era tudo bem real, ainda se lembrava do horror e da morte que a sua mulher causara milénios antes, fazendo com que a montanha explodisse, e inundasse a primeira aldeia em fogo e lava.
Continua…







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