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O monstro e a musa (3/10) - Pedro Cipriano


– Como é que ele se atreve a falar assim contigo? Eu exijo que o castigues imediatamente! – exaltou-se um homem oponente de cabelo grisalho, também ele sentado à esquerda de Artur. 


– Tem calma Aristides, precisamos dele vivo e inteiro. O senhor Ramos tem uma língua muito pouco domesticada, especialmente tendo em conta a sua situação precária. Agradecia que evitasse comentários jocosos enquanto estiver reunido com o concílio que rege este castro. Não se esqueça que temos os restantes membros da sua expedição como reféns. 

– Não sei porque é que me está a perguntar isso. Só sei que a era nuclear terminou com o grande cataclismo. 

– Já irá saber os meus motivos mas, primeiro, gostaria que nos falasse das razões desse cataclismo. 

– O petróleo era um recurso finito e, quando começou a escassear, várias nações entraram em guerra pela posse das últimas reservas. O conflito agravou-se, transformando-se numa guerra mundial. Os conflitos mundiais duraram oito anos, em que vários milhões de pessoas pereceram. Não foram usadas armas nucleares, pois todos sabiam que isso poderia causar a extinção da espécie humana. Todavia, a aliança euro-asiática foi colocada numa posição delicada nos últimos estádios do conflito e decidiu usar o seu arsenal nuclear – relatou Walter. 

De seguida, levantando-se abriu os braços com as palmas da mão viradas para o chão 

– A morte desceu dos céus e o mundo antigo desapareceu, para sempre – citando a frase que era ensinada a todas as crianças 

– Óptimo, eu não teria feito melhor. Deixe-me dizer-lhe que tem excelentes dotes de orador. Agora, se não se importar, podia falar-nos um pouco do que aconteceu depois do grande cataclismo? 

– A maioria da população mundial morreu nesse dia. Nações inteiras foram apagadas do mapa. Os diversos líderes sobreviventes reuniram-se e decidiram destruir toda a tecnologia da era nuclear, de modo a evitar que algo semelhante pudesse voltar a acontecer. 

– O Homem não deve possuir nem criar meios para se auto-destruir – citou Artur, afastando algo imaginário com a mão esquerda. 

– Vejo que está bastante informado sobre o assunto... 

– Poupe-nos o comentário. Já que insiste, vou directo ao assunto. Eu pretendo que recrie uma tecnologia da era nuclear. 

Walter levantou-se impetuosamente e aproximou-se de Artur. Por um momento, perdera todo o medo, pois sentia que estava a servir um propósito maior. 

– Bem, acho que me pode matar já. Não há nada que me convença a desenvolver tecnologia proibida e tenho a certeza que todos os outros sobreviventes são da mesma opinião. Mais facilmente abdicaremos das nossas vidas do que participaremos em tal loucura – gritou, apontando o dedo a Artur. 

– Peço que se acalme – ordenou o líder, pedido, com um gesto, aos outros membros do concílio que fizessem o mesmo. – Diga-me, quais são as sete tecnologias proibidas. Sabe-as de cor? 

– Claro que sei, é a primeira coisa que nos ensinam quando entramos na Academia Imperial das Ciências – constatou Walter, admirado com a aparente calma de Artur. 

– Diga-as, em voz alta. 

– É proibido manipular núcleos atómicos, assim como realizar fissuração e fusão nuclear. É proibido desenvolver propulsão a jacto ou qualquer outro projéctil ou veículo, tripulado ou não, que exceda a velocidade do som. É proibido construir máquinas que efectuem cálculos complexos mais rápido que a mente humana. É proibido acelerar e colidir qualquer partícula atómica e sub-atómica. É proibida a criação de compostos químicos que sejam altamente inflamáveis, corrosivos, explosivos ou tóxicos, sendo a única excepção a pólvora preta. É proibido manipular cadeias de DNA e a criação e manutenção de organismos altamente infecciosos ou letais para a espécie humana e ecossistemas em geral. São proibidas experiências psicológicas com o objectivo de ler ou manipular a mente humana. Qualquer pessoa, independentemente do estatuto, que viole ou tente alguma destas regras receberá a pena capital e todos os registos do seu trabalho devem ser imediatamente destruídos. Estas são as regras para evitar que a espécie humana se auto-destrua. 

– Excelente dicção e não lhe encontrei nenhuma falha – congratulou Artur, batendo palmas. – Contudo, julgou-me mal, eu sei perfeitamente os limites. Somente sou bárbaro na vossa designação e não tenho ilusões megalómanas de poder. O que eu pretendo não irá violar nenhuma dessas regras. 

– O que é que você pretende, então? – inquiriu Walter, confuso com mais uma reviravolta. 

A face de Artur abriu-se num sorriso, enquanto se levantava e fazia sinal ao concílio para o imitar. 

– Eu vou deixar que você próprio descubra. Isto é, vou-lhe mostrar o problema e você irá sugerir uma solução – anunciou o líder, apontando para a saída. 

– O que o leva a crer que eu irei trabalhar para si? – hesitou Walter, mantendo a sua posição. 

– Já tivemos a conversa das alavancas uma vez, não julgo que seja necessário repeti-la. Acho que o próprio problema poderá ser um estímulo importante. Agora siga-me, tenho a certeza que a curiosidade o está a afectar mais do que queria. 

Saíram do palácio e enveredaram pela rua principal. Apesar de ser hora de ponta, a multidão abria alas para os deixar passar. O inventor viu que a cidade possuía várias fontes com água corrente, apesar se encontrar num ponto alto. Ao observar o pavimento, descobriu pequenas fissuras nas extremidades da via, o que provavelmente corresponderia a esgotos. 

A conversa enigmática despertara-lhe um grande interesse. Questionava-se sobre o que é que uma cidade-estado tão avançada poderia ainda precisar. Por mais que se esforçasse, só lhe ocorria matérias de índole bélica. 

Apenas meia dúzia de soldados acompanhava a comitiva. Walter perscrutava cada face e cada beco, na esperança de poder escapar. – Caro Walter, se me permite que o trate assim, não acho que uma tentativa de fuga seja uma coisa sensata de se fazer. Para além de ser pouco provável que tenha sucesso, os outros prisioneiros sofrerão as represálias. Pense neste passeio como um presente – sugeriu-lhe Artur, entrecruzando os dedos numa atitude de auto-confiança.



Parte 2:
Parte 1:


Biscoitos da Vida Eterna - Carina Portugal


– para bruxas que querem ser imortais e gordinhas –


Ingredientes:

Meia dúzia de aventureiros;
200 g de mel de urtiga;
1 chávena de extracto de mandrágora;
4 a 5 ovos de fénix;
1kg de farinha de trigo bolorenta;
1 colher de chá de fungos pulverizados;
1 colher de chá de pó de unhas-de-donzela;
1 chávena de sangue de unicórnio;
Raspa das escamas de um dragão.


Obtenção dos Ingredientes:

Sente-se à porta da sua bonita e acolhedora casa a fazer tricô, enquanto aguarda as presas. Quando algum jovem bem encorpado passar por si, meta conversa, num tom de avozinha, e certifique-se de que é um aventureiro experimentado. Depois de obtida a confirmação, lance-lhe um feitiço de controlo mental. Faça isto com vários, já que alguns podem morrer pelo caminho e convém ter sempre de reserva.

Quando ele estiver sob efeito do feitiço, ordene-lhe que vá roubar mel às colmeias da Bruxa Aurélia, enquanto ela estiver muito distraída a ver “As Tardes da Bruxa Jullie” – ela é famosa pela sua gigantesca plantação de urtigas. Se ele não voltar dentro de um dia, envie outro aventureiro, e assim sucessivamente (o mesmo se aplica com a obtenção de outros ingredientes).

Quando ele voltar, ordene-lhe para tirar da dispensa aquela farinha podre que está lá há séculos e diga-lhe para ir ao quintal arrancar duas mandrágoras e meia dúzia de cogumelos, que o seu reumático não é propício a esse género de tarefa. Ele que pulverize os cogumelos e que esmague as mandrágoras num almofariz, até não mexerem sequer uma raiz, e que as deixe a repousar durante uma semana.

Enquanto isso, envie-o até ao topo da montanha cujo pico toca o céu. Aí, ele encontrará o ninho de uma fénix. Que roube o único ovo existente. Se não houver ovo, ele que vá até ao próximo pico, e assim sucessivamente, até arranjar os cinco.

Para a demora não ser grande, envie um segundo aventureiro para o bosque, em busca de um unicórnio. Ele que o capture, de preferência sem o matar, e recolha uma chávena do seu sangue, ao bater das 12 horas de uma noite de lua cheia.

Quando o vendedor ambulante passar junto da sua casa, compre-lhe um frasco de pó de unhas-de-donzela. É mais prático do que enviar um aventureiro para ir arrancar unhas, até porque, para um homem, a definição de “donzela” pode ser vasta…

Por fim, o ingrediente mais difícil de obter. Envie um dos seus aventureiros em busca de um dragão. Se achar que o seu homem não é suficientemente bom, envie vários – enquanto alguns viram churrasco, e outros são empalados pelos espinhos, um deles há-de conseguir trazer uma escama.

Preparação:

Numa taça grande, junte os ovos de fénix com o mel de urtiga e o sangue de unicórnio e bata bem. Se não tiver força, peça a um aventureiro para bater por si.

Depois, junte o extracto de mandrágora, o pó de unhas-de-donzela e a raspa de escama de dragão, e de seguida adicione os fungos pulverizados e vá juntando a farinha bolorenta aos poucos até ficar consistente para moldar.

Faça pequenas bolas, e pincele com gema de ovo, para posteriormente colocar num tabuleiro untado de azeite e levar ao forno bem quente até os biscoitos ficarem dourados.

Tire-os do forno e deixe-os arrefecer longe do alcance do seu gato. Quando comer o primeiro biscoito, irá começar logo a sentir efeitos de rejuvenescimento. Se os aventureiros ainda estiverem por aí, aproveite e brinque um pouco com eles.

Notas Finais:

– Antes de enviar o aventureiro, verifique se não tem os ingredientes na dispensa.

– Ter cuidado para não desperdiçar muitos aventureiros, porque estes estão em vias de extinção e são uma espécie protegida.

O monstro e a musa (2/10) - Pedro Cipriano

Walter foi separado dos restantes prisioneiros e forçado a caminhar até ao pôr-do-sol. Dormiu ao relento e, na manhã seguinte, prosseguiram viagem depois de lhe terem dado uma magra refeição. A marcha forçada por caminhos agrestes e inclinados estava a consumir-lhe as forças. Os bois e cavalos tinham ainda mais dificuldades, pois viam-se obrigados a carregar as pesadas peças de artilharia capturadas. 

Pelos seus cálculos, estavam a penetrar cada vez mais nos territórios selvagens. Aquela faixa montanhosa ibérica separava a Pan-Germânia da Confederação, outrora chamada de Trás-os-Montes. Nunca conseguira compreender o porquê da Confederação insistir em manter aquele enclave na península ibérica quando tinha uma boa porção da América do Sul e ricos territórios em África. Os historiadores falavam de um passado comum que acontecera há quase um milénio atrás. Para além disso, até aqueles rebeldes falavam uma língua derivada do antigo português. 

O dia teria ocorrido sem incidentes, se não fosse dois dos prisioneiros terem tentado a fuga. Foram prontamente apanhados e executados sumariamente, como exemplo para os restantes. Ainda o sangue dos dois homens não tinha coagulado, já a marcha continuava. 

Andaram o resto do dia e metade do seguinte, terminando a sua jornada numa cidadela, a qual se situava no topo de um planalto. Os portões abriram-se à sua chegada e os guerreiros foram recebidos com aclamações da pequena multidão. 

Walter ficou maravilhado enquanto o conduziam através da cidade, a qual não era em nada primitiva. As ruas eram paralelas, estavam impecavelmente pavimentadas e encontravam-se a abarrotar com máquinas a vapor. Os edifícios eram construídos em rocha trabalhada e estavam em bom estado de conservação. Inúmeros teleféricos transportavam tanto pessoas como carga. Era admirável como uma cidade tão sofisticada poderia existir àquela altitude e aparentemente isolada de tudo o resto. 

Foi levado para uma construção imponente, que deduziu ser o palácio do governador. Obrigaram-no a subir por uma estreita escada de serviço. Sem qualquer explicação, fecharam-no à chave num quarto dos andares superiores. A divisão era espaçosa e bastante melhor do que esperava. Continha uma cama, uma escrivaninha, uma cadeira, uma estante vazia e um guarda-fatos. 

Sentou-se na cama e, sem dar conta, deixou-se estender nela. Adormeceu por via do cansaço, pouco depois. 

Acordaram-no inesperadamente, várias horas depois, quando lhe trouxeram comida. O prato continha um pedaço de pão, um bife e alguns vegetais cozidos a vapor. Estava esfomeado, de modo que não levantou objecções quanto à qualidade do prato. Para sua surpresa, fora muito bem confeccionado. Enquanto comia, pôde admirar o pôr-do-sol, já que a varanda estava virada para Oeste. Quando terminou a refeição, levantou-se a custo, pois os músculos estavam extremamente doridos. 

Estava no terceiro andar do suposto palácio e o balcão proporcionava-lhe uma vista privilegiada da cidadela. A cidade possuía uma torre de relógio no centro, em frente do que Walter supôs ser a praça principal. As colunas de fumo vindas das extremidades dos teleféricos a vapor mostravam-lhe qual era a fonte de energia de toda a cidade. Avaliou o movimento e deduziu que viveriam ali entre duas a três dezenas de milhares de almas. As muralhas eram espessas e as torres de vigia estavam guarnecidas com diversas peças de artilharia, tanto contra balões como contra outra artilharia. 

Voltou para dentro, sentando-se na cama, desanimado. Era pouco provável que a Confederação luso-brasileira arriscasse atacar aquela cidade para o resgatar. O que acontecera nos últimos dias abalara profundamente as suas convicções. Não era só o cativeiro, chocava-o mais saber que os povos bárbaros eram tão civilizados como o resto da Confederação. Foi quase em completo desespero que adormeceu. 

Na manhã seguinte foi acordado, pois iria ter uma audição com o governador. Fizeram-no trocar as suas roupas esfarrapadas por um uniforme novo. Deram-lhe um pedaço de pão e um copo de água. Foi então conduzido pelos corredores até ao piso térreo. Pela primeira vez, reparou que o interior do edifício também fora construído em pedra e trabalhado com inúmeros ornamentos. Os tectos continham numerosos frescos. O que mais o desconcertava era que aquelas construções pertenciam à era pós-nuclear. 

O salão principal era extremamente espaçoso e a sua abóbada tinha várias centenas de metros quadrados, fazendo lembrar uma antiga catedral. Esperava ver um trono e um líder sentado nele, coroado como os antigos reis, contudo não foi isso que encontrou. O comandante estava no centro da sala, acompanhado por um punhado de homens que supôs serem ministros. Em ambos os lados, mais afastados, estavam alguns soldados. 

– Meu caro, espero que tenha gostado da estadia que lhe proporcionei – cumprimentou o comandante, sem quaisquer traços de ironia. 

– Quem é o senhor? – devolveu-lhe Walter, pensando que estavam a brincar com ele. 

– Peço imensa desculpa, não me tinha apresentado. Deve pensar que não passo de um selvagem, não é isso que chamam às gentes deste território? Eu sou Artur Olivais e sou o líder deste castro – e virando-se para os restantes – e este é o famoso doutor Walter Ramos, o inventor que veio do além-mar. 

Walter continuava confuso, questionava-se como é que um líder poderia comandar pessoalmente ataques à Confederação. Era preciso uma grande dose de imprudência para o tentar e sangue-frio para o conseguir. 

Artur levantou a mão e fez um gesto. Imediatamente várias cadeiras foram dispostas, formando uma meia-lua em frente de Walter. Sentiu um movimento por trás de si e, ao olhar, descobriu que um dos criados acabara de colocar uma cadeira perto de si. 

– Sentemos-nos. Acredito que temos muito que conversar – pediu Artur. 

– Eu exijo saber se este tal inventor pode resolver o nosso problema. Relembro que a sua captura foi custosa em material e homens e que ainda pode acalentar outras consequências mais graves – protestou um homem magricela à direita. 

– Silêncio Xavier, observa primeiro, fala depois – comandou Artur, dispensando o ministro com um gesto. – Caro doutor Ramos, presumo que deve estar familiarizado com o que desencadeou o fim da era nuclear. Gostava que nos falasse um pouco sobre isso. 

– Se é de história que quer ouvir falar, pois bem, enganou-se na especialidade. Deveria ter raptado um historiador, não um inventor – replicou Walter, lançado um sorriso trocista a Artur.


Parte 3:
Parte 1: