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Fantasy and Co.
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Halloween
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Pedro Pereira
Bruxaria - Pedro Pereira
Na sala mal
iluminada, a fraca luz das candeias colocadas no interior das abóboras projetava
sombras de contornos estranhos nas paredes, dando um ar um tanto ou quanto
bizarro ao local.
Nélia acendeu
as velas em redor do velho tabuleiro de Ouija
e colocou o copo no centro.
– Está tudo
pronto – declarou.
– Têm a
certeza de que querem fazer isto? – questionou Luciana com o nervosismo latente
na voz.
– O que se
passa Lú? Estás com medo que os teus pais descubram? – perguntou Rita.
– Deixa-te de
coisas! Não sejas cortes! – protestou Carina.
– Não te
preocupes, Lú. Isto é completamente seguro – disse Nélia tentado conter o riso.
Luciana sempre fora a mais medrosa do grupo. – Coloquem todas um dedo no copo.
As jovens
seguiram as instruções da amiga. Luciana hesitou um pouco antes de imitar as
companheiras.
– E agora? –
questionou Carina.
– Agora vamos
ver se há espíritos por aqui… – explicou Nélia. – Está algum espírito presente
que queira contactar connosco?
Lentamente, o
copo começou a mover-se. O som do vidro a deslizar no tabuleiro de madeira
preencheu o silêncio da sala. Luciana não pôde deixar de sentir um aperto na
garanta quando o copo parou em cima do “sim” no tabuleiro.
– Fixe! –
comentou Rita.
– Quem vai
morrer hoje? – perguntou Nélia, enquanto trocava olhares comprometidos com Rita
e Carina.
O copo
moveu-se mais uma vez no tabuleiro, deslocando-se entre as várias letras
enquanto a mensagem se formava.
Uma gota de
suor escorreu pelo rosto de Luciana. Com a respiração acelerada, a jovem sentia
o corpo a tremer cada vez que o copo se movimentava.
Lentamente o
copo deslocou-se para a letra L.
O aperto que
Luciana sentia na garganta ficou mais forte, e a sala pareceu ficar subitamente
muito mais quente, porém ela sentia frio.
Copo estava
novamente em movimento. O som do arranhar na madeira parecia agora aterrador.
Avançou de seguida para o U.
– Lú – sussurrou
Carina.
Luciana deixou
escapar um grito histérico e largou o copo, afastando-se do tabuleiro.
As amigas
desataram a rir enquanto Luciana olhava para elas com um ar pálido e assustado.
– Não teve
piada! Não teve piada nenhuma!
Os protestos
da amiga serviram apenas aumentar o riso das adolescentes. Rita já sentia as
lágrimas a virem-lhe aos olhos de tanto rir.
As risadas
foram substituídas por gritos quando uma força invisível atirou Carina pelo ar,
lançando-a contra uma parede.
Atordoada pela
pancada, a jovem levantou-se com algum esforço, mas foi de imediato atingida
por uma força invisível que a prendeu contra a parede. Sem perceber o que se passava,
Carina gritou, vítima de uma dor lancinante nas têmporas. Por entre os berros
de dor, um líquido espesso e morno começou a escorrer-lhe pelo rosto. Incapaz
de se mover, só se apercebeu que era sangue quando lhe alcançou os lábios.
Formou-se uma
linha de sangue entre as têmporas de Carina, circundando-lhe por completo a
cabeça. Lentamente surgiu uma terceira linha que dividia o crânio em dois na
vertical, fazendo deslizar vagarosamente as partes do crânio acima das
têmporas, colocando a massa encefálica exposta. Os gritos de dor de Carina eram
agonizantes, confundindo-se apenas com os gritos de horror das amigas, que em
pânico tentaram fugir da sala.
O velho
bengaleiro de madeira sobrevoou a sala em direção às jovens em fuga,
trespassando Luciana no peito, que caiu ao chão com espasmos de dor enquanto
dava o seu último fôlego.
Nélia e Rita
correram para a porta do apartamento, enquanto os seus gritos de aflição
preenchiam a casa.
– Está trancada!
– exclamou Nélia em pânico.
Num dos cantos
da sala, Carina deixava escapar os seus últimos gemidos de dor, antes de se
entregar à morte.
– Eu vou
morrer! – choramingava Rita por entre as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.
– Pois vais,
pequenina – respondeu Nélia.
Nélia enterrou
as unhas abaixo das costelas de Rita, que a olhava agora com uma expressão de
pavor e descrença no rosto.
Remexendo a
mão, Nélia puxou o braço para trás e arrancou o coração de Rita, cujo corpo
caiu inerte no chão.
Com calma,
Nélia levou o coração aos lábios e lambeu o sangue que o cobria. Olhando para o
coração sorriu. Fora tudo tão fácil…
Movendo-se com
determinação por entre os corpos, pegou numa pequena caixa de metal escondida
por baixo da mesa e colocou o coração no seu interior. De seguida, aproximou-se
do corpo de Carina, de onde cuidadosamente retirou a massa encefálica também para
o interior da caixa. Por fim, dirigiu-se para junto do sofá encarnado, onde
jazia o corpo de Luciana e com as unhas, arrancou os olhos azuis da fronte sem
vida.
Nélia guardou
os seus preciosos bens no seu pequeno cofre de metal, pegou no seu tabuleiro de
Ouija e abandonou o apartamento. A
bruxa tinha reunido os últimos ingredientes para a sua poção da juventude.
Agora iria conseguir manter aquele aspeto jovem por mais algumas décadas…
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Fantasy and Co.
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Os Kravyads
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Vitor Frazão
Os Kravyads 2/7 – Segredos de família – Vitor Frazão
- Anath é tu? –
inquiriu, em hindu, uma voz feminina, vinda detrás de uma lascada porta de
madeira.
- Sim, mãe –
respondeu ela, em português, tirando o longo e grosso casaco preto que
envergava, pendurando-o no cabide junto à porta.
Apesar da
estranheza da situação lhe ter estragado a fantasia, uma parte de Luís não
conseguiu evitar deslizar de volta para a ilusão, ao ver as curvilíneas formas
de Ana, favorecidas por uma camisola de lã vermelha e jeans justas. O simples poder da luxúria talvez tivesse sido
suficiente para cativá-lo de novo, se não fosse pela súbita e radical mudança
de atitude da rapariga. Embora mantivesse uma beleza quase sobrenatural, a
simpática, tímida e ligeiramente travessa jovem que conhecera e que o atraíra
ali, perdera todo o calor, tornando-se numa mulher arrogante e fria, que nem
parecia interessada em olhar para ele. Na verdade, aparentava dar-lhe tanta
importância como a uma minúscula poça de lama, limitando a sentar-se, numa
cadeira junto à entrada, com uma mão sobre as pernas cruzadas e a outra a
apoiar a cabeça, como se achasse toda a situação incrivelmente enfadonha.
- Não tiveste
pressa nenhuma… É quase meia-noite! – criticou a mulher mais velha, em
português, entrando na sala, enquanto limpava as mãos ao avental branco que
usava por cima de uma camisola de lã azul-escura.
- Isto é alguma
piada? – perguntou Luís, cada vez mais confuso. – É a tua mãe? És adoptada?
- Não – respondeu
Anath, sem sequer olhar para ele, usando um tom de voz que dava a entender que,
por vezes, desejava sê-lo.
O choque do jovem perante a confirmação do
laço sanguíneo não se devia tanto a Ana ser alta e esbelta, com cabelos louros
e olhos cinzentos e a mãe baixa e forte, com cabelos pretos e olhos castanhos,
mas antes, ao facto da pele branca como leite da filha parecer indicar origens
escandinavas, enquanto a progenitora era indubitavelmente do subcontinente indiano.
Embora Luís nada entendesse de genética, parecia-lhe improvável, senão
impossível, aquelas duas serem mãe e filha, por mais nórdico que fosse o pai,
algo acentuado pela total ausência de feições similares.
- Não acredito que
saíste assim à rua – reprovou a mãe, acabando de limpar as mãos ao avental
manchado de sangue. – Isso são preparos?
- Mãe, poupa-me –
cuspiu Anath, farta de ouvir aquele sermão cada vez que saía.
- O que se passa
aqui? – quis saber Luís. – Esta mulher, não pode ser tua mãe…
- Às vezes gostava
de não ser, sempre teria menos desgostos – sentenciou Kunti, abanando a cabeça
em sinal de desapontamento, enquanto se aproximava. – Mas deixa ver o que
trouxeste…
- Ei, minha
senhora! O que?... – protestou Luís, quando a mulher esticou os braços e
começou a mexer-lhe na cara.
Parte do jovem
pensou em ficar quieto e aguentar o escrutínio, não sabendo se aquilo seria um
qualquer hábito cultural que desconhecia, porém, o seu primeiro instinto foi
protestar. Pensando que talvez estivesse a exagerar e não querendo insultar
ninguém, Luís olhou para Ana, na esperança de obter alguma pista sobre como
devia agir, só que esta permaneceu indiferente a toda a interacção,
demonstrando-se mais preocupada em certificar-se que a camisola que usava se
mantinha impecável, do que com o resultado do estranho ritual.
Continuando sem
entender o que se passava, enquanto a mãe de Ana lhe apalpava o rosto, braços e
tronco, Luís notou que algo mudara. Inicialmente, tudo parecera normal, porém,
com o aproximar da anfitriã e à medida que o escrutínio desta se intensificara,
o jovem começou a sentir um invulgar e pungente cheiro, como se alguém tivesse
acabado de esquartejar um animal em decomposição, surgir do nada, tornando-se
cada vez mais forte. Estranhamente esse odor, que ia e vinha, sendo difícil
detectar se não estivesse atento, provinha da mãe de Ana, uma mulher que à
primeira impressão parecera, na verdade, completamente desprovida de aroma.
Mais invulgar ainda era o facto desse inconstante odor parecer estender a sua
mutável influência ao ambiente em redor. Ocasionalmente, Luís pensava ver parte
do velho, asseado e acolhedor apartamento que o rodeava tornar-se em algo mais
sombrio, sujo e sinistro, como se estivesse a observá-lo através de uma cortina
esburacada, abanada pela brisa. Não compreendendo o que percepcionava e
receando ter bebido mais do que julgara, o jovem depressa descartou tudo como
uma ilusão de óptica influenciada pela parca iluminação do hall de entrada, todavia, permaneceu perturbado.
- Não está mal... – decretou a mulher mais
velha, avaliando o jovem como se ele fosse um animal de feira. – Um pouco
magrinho, mas… – comentou, pondo-lhe uma mão na nuca e puxando-o para a frente,
de modo a olhá-lo nos olhos. – Sim… – acrescentou, hesitando por momentos,
antes de rasgar um largo sorriso, aparentemente satisfeita com o que vira. –
Fizeste bem Anath, foi uma boa escolha. Sentirão a falta deste. Dará um óptimo
sacrifício.