Os Deuses do Fogo 1/5 - Liliana Novais



A aldeia cresceu à sombra da montanha. Os seus antepassados haviam-se fixado ali milénios antes, porque os deuses que a habitavam eram bons e haviam abençoado a terra com fertilidade. Tudo o que ali plantavam florescia, e a aldeia prosperava. Como agradecimento da bondade que eles demonstravam, os habitantes sacrificavam animais num templo sagrado e deixavam as carcaças para que estes os continuassem a favorecer. A tradição manteve-se e os Deuses continuaram a ser favoráveis para a aldeia.
Ikiri, o Rei dos Deuses, via os seres humanos com curiosidade e visitava-os frequentemente. Era o mais alto de todos, numa casa humana, a sua cabeça roçava no teto. Nem um lutador de sumo era tão imponente como ele. Tinha uma atitude meiga e felina, conseguia ser tão dócil quanto um gato doméstico e como feroz como um gato de rua, os seus olhos eram iguais aos destes. A sua rainha, Ubasti, era a mais bela de todas e vaidosa. Era viciada em toda a idolatração que os seres humanos manifestavam por ela.
«Mãe, porque é que os seres humanos vivem no sopé da nossa montanha? – Perguntou Miri, a mais nova filha do casal, tão bela quanto a mãe, mas com os cabelos cor de fogo do pai.
 «Os seres humanos criam e plantam os animais que comemos. Eles vivem para nos servir e adorar. – Explicou a deusa loira à sua filha, enquanto acariciava o seu cabelo com carinho.
Ikiri entrou nos aposentos, onde ambas se encontravam a repousar.
«Mais um dia no meio dos humanos, meu amor? – Perguntou a rainha. – Eu sinceramente não entendo porque é tu gostas de permanecer tanto tempo no meio deles. São criaturas primitivas e sem sabor, cuja única utilidade é servirem-nos e adorarem.
«Eles são muito mais do que isso. São realmente fascinantes. Se os conhecesses realmente, ao invés de permaneceres fechada neste palácio sem teres contacto com o mundo real, acabarias de ter a mesma opinião que eu. Vem comigo da próxima vez e verás com os teus próprios olhos como eles mudaram.
«Tu podes ter convencido os nossos dois filhos mais velhos a te seguirem nessas aventuras no mundo inferior, mas ao fim destes milénios ao meu lado, já deverias saber que não vou sair daqui para me rebaixar e passear no meio daqueles humanos.
Ele sabia que não valia a pena discutir com ela. Nunca haveria de mudar, já se havia resignado com isso. Sabia que a tinha de manter feliz e calma. Ela era a Deusa da montanha e do fogo. Aqueles não eram os primeiros seres humanos a habitarem aquelas paragens, ela acabara com uma civilização anteriormente e seria bem capaz de o fazer de novo. A memória dos humanos era curta, e a história já se havia tornado mito, mas para ele era tudo bem real, ainda se lembrava do horror e da morte que a sua mulher causara milénios antes, fazendo com que a montanha explodisse, e inundasse a primeira aldeia em fogo e lava.
Continua…







3 comentários:

livrosnossos disse...

Uma história que promete desenvolvimentos, e que dá dos Deuses a "superioridade" que sempre povoa o nosso imaginário, no entanto, parece-me que esta Deusa vaidosa tem no seu entendimento algo que os humanos (alguns deles) reproduzem - uma certa arrogância.

Está de parabéns a Liliana que nos deixa suspensos da continuação da história.

Anton Stark disse...

O tema é batido, parece-me, e a escrita precisa de ser polida, refinada. O cliffhanger no final está relativamente bem conseguido, tenho de concordar, mas a história no geral (ou seja, este fragmento inicial) nem por isso.

rui alex disse...

Começou leve e caloroso. Mas o tom sombrio final já promete, fico a acompanhar.

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