A Senhora dos Dragões - Inverno - Parte 1/5 - Liliana Novais
Ela passou
uma noite agitada, tendo acordado cansada e faminta. Haviam passado semanas
desde a última vez que conseguira caçar uma presa de grande porte. Apenas
encontrava pequenas presas, as quais eram imediatamente dadas às suas três
adoradas crias. Ela olhou para estas com preocupação, quer ela, quer o seu
companheiro Seneth conseguiriam sobreviver mais algum tempo sem comer, mas elas
não, ainda eram muito pequenas e frágeis para isso. Tinham de caçar algo em
breve, senão iriam morrer à fome, e ela não podia permitir isso. Na manhã
anterior, Seneth partira em caçada e quando regressara não trouxera nada. Hoje
seria a sua vez, iria tentar caçar enquanto ele ficava a descansar e a tomar
conta dos seus rebentos.
Imzahr era o
mais velho, nesse Verão fazia duzentos anos e em breve aventurar-se-ia pela
primeira vez no mundo exterior abandonando o ninho. Ele partilhava-o com mais
duas crias. O que era muito raro uma vez que os dragões reproduziam-se muito lentamente. As duas crias eram fêmeas, gémeas de cinquenta
anos chamadas Alnith e Zahin. Elas necessitavam de muitos cuidados devido à sua
tenra idade.
Aluminir
levantou-se lentamente e dirigiu-se para a entrada da gruta onde habitavam. A
luz do Sol ofuscou-a momentaneamente. As suas escamas eram brancas e prateadas,
e brilhando ao Sol, não se conseguia distinguir um padrão definido, mas tal
como as manchas de uma zebra, as suas escamas eram únicas para cada dragão,
como a nossa impressão digital é pessoal e única no mundo inteiro. Seus olhos
eram verde-esmeralda e seu olhar era profundo e conhecedor. Ela tinha seis
membros, duas asas e quatro patas, as quais terminavam em garras afiadíssimas.
A sua cabeça era triangular, apresentando dois espigões na cabeça. Seu dorso
era liso, ao contrário de muitas espécies que apresentam uns espigões a partir
do seu pescoço até à sua cauda. Quando os seus olhos se habituaram à luz,
esticou as suas asas e voou para os céus.
Aquele Inverno
estava a ser muito rigoroso para todos os habitantes daquelas paragens. Todos
os animais haviam migrado para bem longe, para sul em direção ao calor. Mas nesse
ano parecia que tinham ido para mais longe ainda, fora do alcance dos dragões
que tinham crias, os quais não se podiam afastar muito delas. Os mais fracos,
que haviam ficado para trás, já tinham sido caçados pelos habitantes famintos
das montanhas Farlam e da floresta de Holvar.
As montanhas
eram o ponto mais a norte de Ahelanae, e eram a zona que mais sofria no
Inverno. Estas estendiam-se por centenas de quilómetros. A sua extensão variava
com a espécie de que se falava. De acordo com os elfos, seriam oitocentos, mas
segundo os dragões, seriam mil e duzentos quilómetros, nunca chegaram a um
consenso. A floresta de Holvar crescia na base das montanhas envolvendo-as, as
árvores de folhas perenes criavam um manto verde e branco no Inverno. Era aí
que habitavam as ninfas e as fadas.
Ela havia
tomado uma decisão, iria arriscar tudo e voar até mais longe do que seria
imaginável, iria até aos limites da floresta e das montanhas. Se fosse necessário,
iria procurar alimentos fora do seu mundo mágico, para o mundo exterior. Sabia
que tal era um enorme risco, mas tinha que o correr. Pelo menos tentaria, e
caso fosse bem-sucedida e caçasse uma presa de grande porte ganhava mais algum
tempo, possivelmente o necessário até os animais voltarem às montanhas com o
início da Primavera que não tardaria a chegar, se a tríade quisesse.
Ela estava
tão perdida nos seus pensamentos que nem reparou que o dia tinha nascido sem
uma única nuvem no céu, anunciando o final do Inverno e o regresso dos dias
quentes e com eles das manadas. Mas, o desespero que sentia era tanto que nem
prestou atenção à pequena alteração que estava a ocorrer. Tinha de voar o mais
depressa que conseguisse para chegar à Porta Branca o mais cedo possível, para
passar para o mundo exterior.
Continua...
In:
Fantasy and Co.
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O Pacto
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Vitor Frazão
O Pacto - Vitor Frazão
Clóvis estava sentado no centro do
círculo protector, quando a lâmpada do candeeiro começou a piscar e a velas em
seu redor a abanar, embora não houvesse brisa.
3h30. O fim aproximava-se.
As baratas e ratos saltaram das
fendas na parede para o soalho, fugindo em pânico perante o poder profano que
convergia sobre a sala.
3h31. O relógio no pulso de Clóvis
parou e a lâmpada extinguiu-se, deixando apenas as velas para iluminar a
leitura. A temperatura caiu a pique, as tábuas do soalho estalaram e uma gota
de sangue pingou entre as letras impressas, escorrendo do nariz do jovem, que continuou
a ler, mesmo quando uma figura sombria, vestido no fato ensanguentado de Clyde
Barrow, se materializou na sala, erguendo-se das sombras.
– Clóvis Barnabé – clamou a
criatura, apoiando-se na bengala esculpida com a madeira do Wasa, inundando o espaço com a sua voz
cavernosa e o cheiro azedo a sangue, putrefacção e cinzas – os teus 33 anos entre
os vivos chegaram ao fim, é hora de honrares o pacto de teu pai e vires comigo.
Resistir é inútil, a tua alma pertence-me e arrastá-la-ei pelos Portões Negro
do…
– Yah, dá-me só dez minutos, pode ser? Estou mesmo no último conto.
“Cachopos! Já ninguém respeita as
Forças do Inominável…” queixou-se a entidade sombria, sacando do relógio do
Capitão Edward Smith e dando um pontapé na barreira protectora, que na sua
opinião era uma anedota, capaz de ser pulverizada pelo arroto de um diabrete de
3ª categoria.
– Ó que se lixe, tenho tempo –
autorizou, guardando o relógio e encolhendo os ombros perante a insignificância
de dez minutos face à eternidade. – Que lês?
– Vollüspa – Antologia de Contos de
Literatura Fantástica.
– Bom?
– Excelente.
– Posso ler, quando acabares? Não
quero abusar…
– Na boa.
– Fixe.
As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 1/5 - Pedro Pereira
As chuvas de
Dezembro caíam com grande intensidade na escuridão da noite. Chovia
torrencialmente há horas, deixando as estradas e os caminhos completamente
alagados, transformando-os em autênticos rios de lama.
Montado no
dorso do seu garanhão negro, William tentava proteger-se da chuva com o seu
manto preto, o que lhe conferia um ar sinistro na escuridão da noite. Há muito
que perdera a conta às horas que cavalgava. Um camponês dera-lhe indicações
sobre a existência de uma vila na proximidades, mas era quase impossível
enxergar o que quer que fosse naquelas condições.
Ao lado do
cavalo, Moonraider, o encorpado lobo cinzento, fiel companheiro de William,
estancou. O animal começou a farejar e apontou o focinho para o horizonte.
O rosnar de
Moonraider foi o sinal que William procurava. Olhando para o horizonte,
conseguiu vislumbrar as ténues luzes que provinham de Wharrom Percy.
– Vem –
ordenou William para o lobo, com a sua voz grave e rouca. De seguida, conduziu
o garanhão em direção à vila.
As ruas de Wharrom
Percy encontravam-se completamente desertas. Nada que não fosse de esperar,
tendo em conta o temporal que se fazia sentir e a avançada hora da noite.
Quando
finalmente encontrou a pequena estalagem, William desceu do dorso do seu cavalo
e prendeu-o junto à entrada.
– Fica.
Obedecendo às
ordens de William, Moonraiser soltou um latido de desagrado e sentou-se ao lado
do cavalo, com ar pouco satisfeito.
O ambiente no
interior da estalagem aparentava estar calmo. Dada a hora da noite, havia apenas
meia dúzia de camponeses sentados nas mesas mais próximas da lareira da sala
comum. A maioria nem deu pela sua entrada. Estavam demasiado entretidos a
esvaziar as suas canecas de hidromel.
William
encaminhou-se para o balcão onde se encontrava o estalajadeiro, um homem gordo
e com ar mesquinho. Pelo caminho, puxou para trás o capuz do manto, revelando
os seus cabelos brancos e olhos amarelos, sinais que denunciavam a sua
condição…
– Arranje-me
um quarto e traga-me uma caneca de hidromel – declarou William, ao mesmo tempo
que deixava cair algumas moedas de prata no balcão.
– É para já,
Senhor. Vou preparar o nosso melhor quarto.
William foi então
sentar-se numa das mesas livres. Não tardou para que lhe levassem uma caneca cheia,
com a bebida dos deuses.
O forasteiro
saboreava calmamente a sua bebida, quando um homem moreno e franzino,
envergando um manto azul, se sentou a seu lado.
– O que o trás por estas bandas, meu Senhor? –
questionou o homem, num tom de voz pomposo e extremamente irritante. – Não é
habitual termos visitantes.
William
manteve-se em silêncio, na esperança de que o homem fosse embora. Estava
habituado àquela escumalha, sempre há procura de alguém que se oferecesse para
pagar umas bebidas, em troco de uns dedos de conversa. Porém, este parecia não querer
partir sem a sua resposta.
– Estou apenas
de passagem…
– Pensei que
tivesse sido atraído pelas mortes. Um caçador de demónios como você…
Aquelas
palavras deixaram William em alerta. Se o homem conhecia a sua identidade, isso
podia significar que havia gente suficientemente estúpida naquela terriola para
o tentar enfrentar. Era a principal desvantagem de ter a “cabeça a prémio”.
Porém, William decidiu participar no jogo, antes de começar a pintar o chão de
vermelho com a sua espada.
– Eu não sou
nenhum caçador de demónios. Além disso, duvido que a Peste Negra possa ser um…
William tomou
mais um trago do seu hidromel, com uma atitude de desdém.
– Alguém com a
“cabeça a prémio” devia ter mais cuidado com a sua identidade, Decessus…
O homem nem
teve tempo para mover um único músculo. Numa fracção de segundo, William
retirou uma pequena adaga da manga do manto e, por baixo da mesa, encostou-a à
virilha do homem.
O sujeito empalideceu
de imediato, ao sentir a lâmina afiada.
– A menos que
não tenhas amor à tua pila, sugiro que escolhas a tuas palavras muito
cuidadosamente…
– Eu sabia que
eras tu! Vi o teu retrato no cartaz! És tão sádico como contam!
– E o tempo
está a passar, e eu estou a ficar aborrecido… – declarou William, em tom de
ameaça, aumentando a pressão da lâmina.
– Temos um
demónio aqui na nossa vila… Ele tem atacado as nossas mulheres e crianças. Só
na semana passada morreram quatro pessoas – explicou o homem, apressadamente.
William podia
ver as gotas de suor a escorrerem pela face do homem. Não passava de um
campónio que gostava de se armar em valente. Se se mantivesse aquele impasse
por muito mais tempo, o desgraçado ainda se mijava nas calças.
– Por favor, precisamos da ajuda de alguém
como você!
– As boas ações
não enchem o estômago, nem ferram cavalos…
– Nós temos
dinheiro! Nós podemos pagar! Juro! Por favor!
– Nesse caso, começa a falar…
Continua…