Crónicas Obscuras: Dança do Corvo (5/8) – Por honra – Vitor Frazão

- Não desonrarei meus mestres alegando que a vitória se deveu a sorte, contudo, também recuso-me a garantir, sem sombra de dúvida, que seria capaz de repetir a proeza – defende, embainhando a katana, colocando-se de joelhos e fazendo a testa tocar no solo, na mais profunda e respeitosa das vénias. – O desabrochar de uma única flor não embeleza a cerejeira. Ainda tenho muito que aprender dos nobres mestres que me precederam até poder considerar-me ao seu nível. Perdoe-me se na minha ânsia por mostrar o que aprendi e para me provar perante si o ofendi, todavia, creio que pior teria sido fingir-me inferior. Em todo o caso – acrescenta, sorrindo, incerta se não estaria ir longe demais – se fôsseis um guerreiro menos… controlado, as costelas e braço que lhe parti não fariam o meu golpe parecer tão clemente. 

Por resistente que um tengu fosse, os seus ossos ocos, cruciais para voar, eram mais delicados que os dos humanos. Embora não tão sangrento como o corte de uma lâmina, o golpe de Eleanora poderia ter sido igualmente fatal, espetando ossos partidos de encontro a órgãos. O mero acto de respirar devia provocar dores horríveis, mas Hayato, numa incrível demonstração de autocontrolo, escondia-o magistralmente. 

Eleanora manteve a testa no chão, à mercê dos yokai voadores, não sabendo se a sua ousadia conseguira salvar amizade e honra, até que uma poderosa gargalha ecoa pela noite. 

- Ah! Ah! Ah! Espantoso! Espantoso! Ah! Ah! Bem dito, Eleanora-chan! – elogia Hayato, rasgando um imenso sorriso, que o fazia assemelhar-se a um animado velhote após beber mais que a sua conta. Cada gargalhada fazia vibrar as costelas partidas, sem que ele parecesse importar-se muito com isso, ignorando por completo as dores. A agressividade do seu rosto evapora-se como se toda a tensão anterior tivesse sido apena parte de uma piada. – Um bom combate, sem dúvida. Há muito que não me divertia tanto! Aprendeste muito desde o nosso primeiro encontro, Eleanora-chan. 

- Apenas porque enfrento grandes lutadores como Hayato-shishio e Shou-senpai – garante, levantando-se e fazendo uma pequena vénia para o jovem tengu. 

- Não sejas tão modesta e formal! – pede, bem-disposto, à medida que os arqueiros aterram aos seus pés, um deles com a bainha da sua katana. – Mais uma vez provaste que fizemos bem em poupar-te, Oculta-chan, e deixar-te caminhar em solo yokai. Vem, celebremos, Irmãzinha, e talvez me possas contar aquilo que te perturba, enublando ambiente tão festivo. Shou-kun, fecha a boca! Sora-kun, mexe essas asinhas e manda preparar repasto. Estou esganado! Eleanora não conseguiu evitar sorrir. Assim era Hayato, ferocidade em batalha apenas superada pela sua hospitalidade e boa disposição.


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2 comentários:

Carlos Silva disse...

Gostei do tom formal "japonês" da primeira frase do diálogo e gostava que fosse mais ou menos mantido, apesar do aliviar do ambiente.

Mas tu consomes mais cultura janponesa do que eu, deves saber como é mais realista. Talvez neste caso, o efeito exótico pudesse ser mantido.

(bolas...já estou a discutir comigo mesmo)

Vitor Frazão disse...

Na verdade ambas fases são níveis de "formalidade", simplesmente uma é mais íntima que a outra, para atestar a proximidade entre as personagens. :)

Sou capaz de consumir mais cultura japonesa, realmente, mas ainda tenho muito que aprender e não descarto a possibilidade de haverem falhas. Afinal, sou apenas um observador externo. ;)

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