Fome - Liliana Novais

Salvador percorria as ruas desertas da cidade, àquela hora tardia. Os seus músculos encontravam-se entorpecidos pelos séculos de descanso. Despertara faminto. As roupas que envergava haviam sido suprimidas roubadas de um qualquer estendal, uma vez que aquelas com que ele se recolhera há muito que haviam sido devoradas pela passagem do tempo. 

Ele tentara, em vão, forçar a sua entrada numa casa próxima do local onde dormira. Mas as portas estavam bem fechadas e as janelas cerradas, o que o impedia de hipnotizar alguma vítima incauta. Ele sabia que se não se alimentasse não recuperaria a sua força. Avançou, dominado pelo impulso, pela necessidade de sangue que o cegava. 

O som de centenas de corações a bater enlouquecia-o. Ele não os conseguia alcançar. O seu desespero era tal, que até um pedinte qualquer caído na beira da estrada serviria para aplacar a sua sede. Mas o azar perseguia-o, pois não se vislumbrava vivalma. Estava sozinho e perdido numa cidade que lhe era estranha. 

Cambaleou. Sentia-se muito fraco e vulnerável. Apoiou-se numa parede para não cair. Apenas conseguia pensar em sangue. Era uma necessidade que crescia e que o estava a começar a dominar, em breve deixaria de raciocinar e abandonaria toda a prudência. 

Com os seus sentidos ao máximo, procura um indício de vida, de uma refeição. A brisa de Verão transportou até si, o som de passos longínquos. Pela sua experiência, concluiu que se tratava de uma mulher que percorria as ruas sozinha. Movimentou-se rapidamente para a conseguir alcançar, sem desperdiçar energia, pelo que não podia utilizar a sua super-velocidade para a alcançar. 

Parou a poucos metros dela. Ele conseguia sentir o seu perfume intoxicante. Desejava o seu sangue como nunca havia desejado ninguém anteriormente. Queria agarrá-la naquele lugar, ignorar o bom senso. Tomá-la nos seus braços, e fazê-la sua. Tinha de se conter, uma vez que alguém o podia ver. 

Parou em frente a uma montra fingindo estar a olhar para esta. O coração dela a acelerou, devia tê-lo ouvido. Tinha de se afastar e segui-la com o uso dos seus sentidos apurados até um lugar mais propício. Na sua mente já conseguia saborear o seu sangue. Imaginava uma explosão de sabores que o invadiria e salivava. 

Salvador seguiu-a até um beco deserto e aí viu a sua oportunidade de atacar, tinha de ser rápido e ágil. Aquele era o momento, reuniu as últimas forças que tinha e agarrou-a. Cravou os dentes com força no pescoço da rapariga e tapou-lhe a boca com a mão. O sangue começou a jorrar e a saciar a sede. Era espesso e doce. Ele sentiu o seu corpo a entrar em frenesim. As suas energias estavam a restaurar-se, a cada gota que bebia sentia-se mais forte. Agarrou-a com mais força, sentia o calor dela no seu corpo. Quanto mais bebia, mais se sentia atraído por ela, era o efeito do sangue. Desejava o seu corpo. Ela debatia-se contra o abraço mortal do vampiro. Era uma lutadora, o que o levava a sentir-se ainda mais atraído por ela. Se não tivesse acabado de acordar, ainda poderia ponderar transformá-la. A sua mão livre acariciava o corpo dela. Era dele naqueles breves instantes que partilhavam. A cada gota que bebia sentia a vida dela a esvair-se rapidamente, o seu coração abrandava. E em breve, estava morta. Ele olhou para o corpo inanimado que tinha nos braços com indiferença, era apenas mais uma em muitas que matara, era alimento. Apenas servia para o manter forte. Atirou-a ao chão, pronto para prosseguir a sua busca por uma nova vítima.


2 comentários:

Vitor Frazão disse...

Típico relato de vampiro que acorda do Torpor com a compulsão de saciar a Sede. Dito isso, não sei se "Fome" é o título certo...

Os temas do despertar do Torpor e a Sede podem ser interessantes, mas por si só não fazem levantar sequer uma sobrancelha a quem esteja familiarizado com a temática. No hook. 1,8 Estrelas

Joel-G-Gomes disse...

Gostei deste conto, embora histórias de vampiros já me comecem a cansar um pouco, e teria gostado ainda mais se o final não tivesse sido tão previsível.
O vampiro sedutor tem sede (ou fome, como lhe queiram chamar), ataca a primeira bela jovem que encontra e alimenta-se dela. Por sorte a primeira pessoa que encontra é mesmo uma bela jovem e não uma velha sem dentes. (Sorry.)
Antes de chegar ao fim estava à espera que a autora lançasse um twist qualquer: a vítima ser uma caçadora de vampiros e cravar-lhe uma estaca, a vítima ser outra criatura das trevas, a vítima estar infectada com VIH e o vampiro ficar com cólicas. Qualquer coisa. Havia potencial, mas não foi aproveitado. É pena.

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