Bicho Cidrão – No montado 2/5 - Vitor Frazão


O pequeno aglomerado de casas, com telhados laranja e paredes brancas, serpenteado por sinuosas estradas, encontrava-se cercado por uma imensa muralha cinzenta e verde de montanhas titânicos, cuja solidez parecia capaz de o proteger da fúria de todos os oceanos. Se as serras defendiam ou aprisionavam as gentes do sítio ficava ao critério de cada um. Figueiredo que sempre vivera no rebuliço do Porto teria odiado passar a juventude ali fechado. Já Silva não se importaria de assentar por aquelas bandas na reforma, isto, claro, se tal coisa existisse para um Obliterador…
Era nesses montes escarpados, densamente florestados, que Marisa e companhia estavam, quais pulgas no traseiro da proverbial vaca.     
Os tons verde-escuros, entrecortado pelo cinzento da rocha e pela alegria discreta de algumas flores campestres, foram substituídos pelo verde-claro enjoativo dos óculos visão nocturna, perante os olhos de Figueiredo, ao anoitecer. No seu posto de vigia, espingarda pronta, olhos e ouvido bem abertos, agachando nos arbustos, o jovem sentiu a temperatura descer impiedosamente, quando a Sol mergulhou atrás dos montes.
No mato ecoavam muitos sons, o vento a passar por entre os ramos dos pinheiros, fazendo-os bater uns nos outros, a azáfama de dezenas de pequenas criaturas nocturnas, mas não o famoso berro do bicho Cidrão
Apesar de consciente da importância de todas as missões, por insignificantes que pudessem parecer, uma parte dele desejava estar no Funchal, a experimentar essa tal “poncha” que Quim gabava tanto, em vez de ali, a gelar as nádegas, à caça de um Oculto sobre o qual pouco ou nada sabia.
Os sonhos com a poncha foram interrompidos por um estalido metálicos, vários metros abaixo, à esquerda, seguido de um tiro de caçadeira. Se o estalo apenas indicou que algo fora apanhado por uma das armadilhas, o tiro garantiu que seria o bicho Cidrão. Silva e Costa nunca disparariam sem motivo.
- É ele! Dia em dois – gritou Silva através do intercomunicador no ouvido de Figueiredo, que se apressou a desligar e tirar os óculos. Embora pequenos, a meia-dúzia de holofotes que plantaram na área tornaram a noite em dia, libertando um clarão de luz branca. Apesar da distância, na posição em que estava pouco mais via que vultos no arvoredo.   
Outro tiro e, desta feita, o famoso berro do bicho fez-se ouvir, qual matilha de cães a serem queimados vivos. Figueiredo deu a discussão por terminada. Não havia a menor hipótese de um lobisomem gritar daquela maneira.
- Silva, às tuas duas horas! – indicou a voz retorcida de Costa.
- O cabrão é rápido! – protestou o guerreiro, disparando no caos de arbustos a tremer e sombras multiplicadas pelos holofotes.
- Puto, consegues? – perguntou ela.
- Não tenho um tiro certeiro! – respondeu, optimista, pois, na verdade, ainda nem sequer conseguira ver o contorno da animália.
- Cuidado! – avisou Costa, menos de um segundo antes de um dos holofotes se apagar, rapidamente seguido de outros dois, tornando o cenário escuro o suficiente para as sombras provocadas pelos restantes dificultarem a visão, contudo, não tanto que lhes permitisse usar os óculos de visão nocturna.  – Ele vai escapar!
- Não dispares, Marisa. Vai para as tuas nove e entalamo-lo – comandou, ouvindo-se pelo intercomunicador o cartucho a ser expulso da caçadeira e o seu rosto a raspar nos ramos dos arbustos, à medida que corria. – Pedro, sobe. Precisamos de ti no topo, caso ele fuja.
- Mas… – murmurou, nervoso e desorientado.
- Vai! – ordenou a líder.
Tento em conta que ainda nem sequer conseguira ver o bicho, Figueiredo acreditava-se tão útil para aquela operação como um curso de macramé para uma lapa. Não obstante, condicionado pelo treino e pela autoridade dos superiores, apressou-se a fazer o que lhe mandavam, correndo por entre os arbustos até um ponto mais alto da encosta.
Entretanto, os berros do bicho tornaram-se mais frequentes e intensos, penetrando nos ouvidos dos perseguidores com a força de um aríete. O lamento agonizante parecia vir de todo o lado, desorientando-os.
- Tenho! – avisou Silva, deixando transparecer um ligeiro sorriso na voz, que se evaporou quase de imediato – Merda!



1 comentários:

Carlos Silva disse...

Vê-se aqui um Vítor Frazão a navegar em oceanos conhecidos, espero agora ser surpreendido na 3ª parte.

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