Devorador de Mundos - Liliana Novais

Estava um dia horrível. Chovera a noite toda e a rua estava alagada. Arranjar um táxi naquele tempo era algo de impossível. E para onde ia o tempo ainda estaria pior, previam um nevão iria atingir a cidade de Genebra. Fernando tinha de estar no aeroporto dali a uma hora. Esperavam-no no CERN para dar início à sua experiência de colisão de partículas. Ele estava ansioso, toda a sua tese de doutoramento dependia dos resultados que obtivesse. Depois de muitas tentativas telefónicas, finalmente conseguira um táxi que o deixaria mesmo a tempo à entrada do aeroporto. 


A viagem foi um pouco turbulenta, com poços de ar que obrigavam o avião a dar solavancos. Fernando saiu do avião todo dorido, o que lhe valia era que apenas tinha de se apresentar no laboratório no dia seguinte. 

Deitado na cama do seu quarto, Fernando, verificava os dados da sua experiência para o dia seguinte. Reviu os cálculos. Tinha que estar tudo perfeito, teria apenas uma oportunidade para testar as suas teorias. Ele já tinha tido sorte em conseguir aquela vaga, que era muito difícil de obter. Estava na hora de descansar, esperava-o um dia longo. 

A neve caía grada naquele primeiro dia de inverno, mas Fernando estava quente no interior do laboratório. Olhava para os técnicos que inseriam os seus valores e aguardava ansiosamente enquanto eles faziam todos os procedimentos para iniciar a primeira colisão do dia. 

O coração de Fernando acelerou. No interior do anel, as partículas moviam-se a velocidades estonteantes percorrendo-o inúmeras vezes, até atingirem a velocidade pretendia e colidirem. E finamente uma enorme quantidade de novas partículas encheu os detetores. Um resultado inesperado que encheu a sala de excitação pela primeira vez desde que descobriram o bosão de Higgs. Um micro-buraco negro formou-se como resultado da experiência. Era a primeira vez que tal era observado experimentalmente. A sala estava em festa, os técnicos abraçavam-se, congratulavam Fernando pelo seu feito, como se este fosse digno de um Nobel. A alegria reinava e um deles saiu para ir buscar uma garrafa de champagne para comemorar aquele feito. Queriam descobrir tudo acerca deste. Começaram a bombardeá-lo com partículas, tentando estimar o seu peso e as suas dimensões. Mas, mais importante ainda, queriam saber quanto tempo demoraria a dissipar-se. 

As horas passavam e nenhuma alteração ocorria. A excitação deu lugar à preocupação. O micro buraco-negro continuava a sugar tudo em seu redor, cada vez mais depressa, aumentando gradualmente de tamanho. Eles sabiam que tinham de fazer algo para o travar senão estavam a condenar a humanidade à extinção. Primeiro a Terra seria engolida depois todo o sistema solar se não o travassem em primeiro. 

Com o nervos à flor da pele, cada um gritava por cima dos outros tentando encontrar uma solução. Não se conseguiam entender nem chegar a uma solução. A situação estava a ficar demasiado complicada. Tinham de resolver o problema antes que tudo se tornasse demasiado complicado e irreversível, isto se não tivesse já passado esse momento. Fernando gritou para todos se calarem. Ele tinha uma sugestão, um segundo buraco-negro que anulasse o anterior. 

Recriaram a experiência, passo-a-passo, sem se enganarem. O resultado foi o mesmo. Um segundo micro Buraco-negro formou-se perto do primeiro. Mas esperanças foram rapidamente logradas, os dois fundiram-se e criaram um maior e o apetite deste era voraz. 

Quando a notícia chegou à comunicação social a gerou-se o caos. Sem saber do que falavam, os jornalistas criaram o pânico na população. O medo gerou-se nas ruas enquanto as pessoas se convenciam que o mundo iria acabar nesse dia, ao invés do dilatar do tempo que o buraco-negro ia criar, e o tempo que demoraria a consumir toda a Terra. Inicialmente não se iria notar nada, só muito mais tarde é que a Terra se fraturaria com a força gravítica do buraco-negro. 

As grandes capitais pareciam campos de batalha entre polícia, exército e população. Todos queriam viver os últimos momentos das suas vidas com as coisas que não eram suas e que nunca teriam possibilidade de ter de outra forma. Rebentavam com montras de joalharias, para roubarem as peças raras e caras. Iam às grandes lojas de alta-costura e saíam com roupa para todos. Destruíam a propriedade pública e achavam-se no direito de o fazer. 

Enquanto jantava, Fernando olhava incrédulo para a televisão. Sempre pensara que quando o fim estivesse próximo a Humanidade se unisse e alcançasse um plano mais elevado de existência. Mas a realidade era o contrário, esta estava a regredir para um estado animal. E era tudo culpa sua... Ele via e revia os resultados mas nada fazia sentido. Os buracos-negros deviam ter-se extinguido mas isso não acontecera. Estavam a lidar com uma física que ultrapassava a sua compreensão. 

O fim do mundo, o Apocalipse, começara a 21 de Dezembro de 2012, não por uma mão divina mas pela mão do homem na sua busca incansável pelo conhecimento. Já nada se podia fazer a não ser ver o fim aproximar-se enquanto o buraco negro crescia. Tudo o que o rodeava era engolido fazendo-o crescer ainda mais. O devorador de mundos crescia e dominava. 

O CERN foi abandonado. Os cientistas e os trabalhadores partiram para junto das suas famílias, de modo a poderem enfrentar o que iria acontecer. Aos poucos a população abrandou, resignando-se com a realidade, o último Natal da humanidade foi passado em harmonia e calma. 

E, assim, o mundo fica regido pelas leis de Einstein, o tempo dilata e o fim nunca mais chega, o relógio quase que para. A Humanidade fica presa no tempo e no espaço sem escapatória possível. Será que algum dia conseguirão fugir, ou a força gravítica será tão forte que transformará todos os seres humanos em esparguete?


3 comentários:

Anónimo disse...

A escrita está a melhorar, esse é o ponto forte do conto. Tudo o resto é quase tão catastrófico quanto o enredo do texto: cliché, mal explicado, mal encadeado, contraditório... E quanto menos se disser acerca da frase final (e das suas implicações), melhor.

Olinda Gil disse...

Será sem dúvida o homem que se há-de destruir a si próprio

Joel-G-Gomes disse...

Um fim se não pacífico, demasiado passivo; precisava de mais caos. Uns podem achar que, na iminência da destruição final, daríamos todos as mãos e partíriamos em serenidade para o Além. Eu sou mais de achar que cederíamos aos nossos instintos mais animalescos e primitivos. Cada um tem a sua perspectiva e todas elas são válidas porque ninguém faz ideia do que acontecerá.
Numa história, porém, não importa a perspectiva que se aplique e sim a forma como se a aplica.
A autora, tanto quanto sei, é da área, por isso não posso pôr em causa a parte científica da história (a minha compreensão de termos físicos restringe-se aos conceitos transmitidos na série The Big Bang Theory).
Já em relação ao personagem Fernando posso dizer uma coisita ou outra. E o que posso dizer mais é que gostaria de ter mais para dizer. Ficámos a saber muito pouco sobre além de que trabalhava no CERN. Desse ponto de vista ele poderia ter sido um segurança, um porteiro ou uma senhora da limpeza. As opções ao dispôr seriam muitas. Uma que me ocorre neste preciso momento teria sido estabelecer um paralelismo entre Fernando e o buraco negro. Seja porque Fernando é uma pessoa apática e vazia por dentro, tal como o buraco negro, seja porque é alguém que perdeu a família por amor à profissão (e desse amor acaba por vir o fim do mundo), etc.

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