Os Deuses do Fogo 4/5 - Liliana Novais
O piso das ruas de terra batida
começou a estalar e a abrir-se. Das fendas emergia um vapor quente que se
elevava a velocidades estonteantes sob a forma
de jatos. Ikiri olhava em volta, o pânico dominava todos os habitantes, que não
sabiam para onde ir. Gritavam histericamente os nomes dos seus amados. As
mulheres agarravam as suas crianças chorando compulsivamente, sentadas no chão
que tremia. Havia quem corresse pelas ruas sem destino, arriscando-se a ser
morto pelos jatos. Corpos esfolados e vermelhos espalhavam-se pelo chão
aumentando a confusão e a histeria coletiva.
O deus percebeu que sozinho não
conseguiria fazer nada, tinha de encontrar os seus filhos antes que fosse tarde
demais. Ao longe, conseguiu distinguir as formas dos seus dois filhos que iam
ao seu encontro.
«Pai, o que se passa? Qual o motivo
para esta confusão? – Perguntou Atam, o mais velho. Este havia herdado a beleza
e a delicadeza da mãe.
«É a vossa mãe, eu não sei o que
causou isto, mas ela está incontrolável. Temos de a chamar à razão. Mas
primeiro temos de guiar os humanos para fora do perigo. Em breve a montanha vai
explodir e matará todos os que se encontrem no seu caminho.
«Nós ajudamos-te no que for
necessário, pai. – Respondeu Fibari, uma cópia perfeita do seu progenitor.
Os três começaram a organizar os
aldeões assustados, tinham de os afastar o mais possível daquele lugar. Era uma
corrida contra o tempo. Entravam em casas que estavam quase em ruínas e
retiravam os seus moradores assustados. Levavam mulheres e crianças ao colo
para a praça central. Dali tinham de encontrar um caminho a seguir, de
preferência o que os levaria mais rapidamente para fora de perigo.
As casas ruíam à sua volta, enquanto
os deuses avançavam rapidamente, tentando proteger os humanos da melhor maneira
que conseguiam. Os jatos não paravam de surgir nos
mais inesperados lugares. Era um autêntico cenário de guerra, entre a deusa e
os humanos. Guerra essa que, estes últimos, não conseguiriam ganhar de forma
nenhuma, sem ajuda divina.
Acabaram por conseguir sair das
ruas e subir para um monte afastado. Ikiri iniciou o percurso de regresso à
montanha.
«Pai onde vais? – Perguntou Atam.
«Vou parar a tua mãe.
Continua…
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As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 3/5 - Pedro Pereira
William
analisava cuidadosamente o dragão dourado bordado na enorme tapeçaria vermelha.
As suas capacidades únicas permitiam-lhe ver cada ponto dado com grande
detalhe. Quase que conseguia reconstruir mentalmente o momento em que aquela
peça fora criada. Era sem dúvida o trabalho de um mestre artesão, uma peça
digna para adornar o salão de um nobre.
– A minha
família é detentora de grande parte dos terrenos em torno de Wharrom Percy. A
vila tem prosperado graças aos imensos esforços que gerações de Chamberlain têm
feito – declarou o Lorde Chamberlain, quebrando a linha de raciocínio do
caçador de demónios.
O fidalgo era
gordo, careca e ostentava uma espessa barba negra. Vestia umas calças negras e
um gibão branco e, em cima, um pelote negro de meias mangas, com uma capa
aberta e frisada de cor encarnada. Os trajes que envergava não deixavam
qualquer dúvida de que se tratava de um nobre e de que estava habituado a ser
tratado como um.
– Estes
ataques ao povo são péssimos para os negócios… Os desgraçados até já têm medo
de sair à rua!
William batia
com os dedos impacientemente no braço do cadeirão onde se encontrava sentado.
Se havia algo que o caçador de demónios detestava, era conversa da treta.
Perdera já a conta ao tempo a que estava a ouvir os disparates do nobre, sem
que este lhe pagasse ou fosse direto ao assunto.
– Imagine o
que acontece quando as noticias chegarem aos ouvidos dos comerciantes que por
aqui passam! Vou ter um prejuízo enorme! Já me chega os meus trabalhadores não
produzirem o mesmo às custas desta situação!
Tentando
abstrair-se da enfadonha conversa do nobre, William desviou o olhar e recomeçou
a estudar o salão. Junto ao guerreiro, Moonraiser encontrava-se deitado sobre
um luxuoso tapete encarnado e entretinha-se a mordiscar-lhe as pontas.
– Como tal, é
trabalho da minha família assegurar o bem-estar da população desta vila! Foi a
missão do meu pai, do meu avô e de muitos outros Chamberlain antes deles!
William
levantou-se e preparou-se para abandonar o ostentoso salão.
– Espere! Onde
vai?! Ainda não falámos sobre o demónio! – protestou o nobre.
– Nem vamos
falar… Eu não vim aqui para ouvir contar a história da grande família
Chamberlain. Estou-me nas tintas para quantos terrenos tem ou para os seus
negócios com os comerciantes! Eu vim aqui porque me disseram que tinha um
trabalho e que ia ser bem pago…
– Sim, mas é
claro que sim! Por favor, deixe-me oferecer-lhe um copo do nosso melhor vinho!
Não querendo
perder mais tempo, William dirigiu-se para a porta. Naquele momento a porta
abriu-se, permitindo a entrada de um homem de batina.
Ao lado de
William, Moonraiser começou a rosnar ao desconhecido.
– Oh, bons
olhos o vejam, padre Alexander! Estávamos mesmo à sua espera! Por favor,
junte-se a nós!
O padre era
mais alto que William, o seu corpo era esguio, dando-lhe um ar frágil. Os seus
cabelos loiros e lisos estavam penteados na perfeição. O negro das suas vestes
clericais contratava com o tom claro da sua pele.
William sentiu
que os olhos azuis do padre o percorreram de alto abaixo. A maioria das pessoas
acabava demasiado intimidada pelo seu aspeto, mas o padre não. Havia qualquer
coisa de perigoso no religioso. Disso, William estava certo.
– É um prazer
conhecê-lo – declarou o padre num tom de voz apático.
William
apertou a mão ao padre e voltou a sentar-se sem tirar os olhos do clérigo.
– O padre
Alexander tem ajudado a combater o demónio. Ele chegou a Wharram Percy pouco
antes de os ataques começarem.
– É um
infortúnio o mal que se abateu sobre esta população – declarou o padre,
passando com a mão pelos cabelos loiros.
– Já conseguiu
identificar o tipo de demónio com que estamos a lidar?
– Infelizmente
não. Mas parece ter uma atração especial por mulheres. Ainda não houve uma
única vítima masculina. Que as suas almas descansem em paz!
– Já houve
vítimas masculinas! Ou está a esquecer-se do que aconteceu à família Percy?
– O que
aconteceu?
– O Lorde Brom
Percy enviou-me uma mensagem na qual afirmava ter descoberto o covil do
demónio. Ele estava a trabalhar connosco para deter a criatura… Apenas tive
tempo de informar o padre Alexander de que o Lorde Percy descobrira algo.
– Nunca teve a
oportunidade nos contar o que descobriu – continuou o padre. – Infelizmente,
nessa mesma noite a mansão dos Percy ardeu. Toda a família morreu… Uma
tragédia!
– E que
conveniente para o demónio! Se o vosso demónio prefere rabos de saias, muito
provavelmente é um Íncubo. Vou até ao que resta da mansão dos Percy ver se
descubro algo sobre a criatura.
– Faça como
entender melhor – declarou o nobre.
– Mas antes
disso, vamos ao que interessa… As minhas quinhentas moedas de ouro.
– Quinhentas
moedas?! Quem pensa que é para cobrar semelhante quantia a um povo
necessitado?! – protestou o padre.
– Eu não vivo
de esmolas, padre. Além disso, se eu estou aqui é porque vocês não conseguem
tirar esse cú gordo da cadeira para tratar do assunto…
– Lamento, mas
concordo com o padre Alexander. Quinhentas moedas de ouro é uma quantia
bastante elevada…
– Bem, nesse
caso divirta-se com o seu demónio! Tenho a certeza de que o corajoso Lorde
Chamberlain o consegue vencer num combate com a preciosa ajuda do padre…
Mais uma vez,
William virou costas ao nobre e preparou-se para sair do salão.
– Espere! –
pediu o fidalgo. – Digamos que eu consigo reunir essa quantia… Que garantias
tenho de que depois de lhe pagar, não se vai limitar a fugir com o dinheiro?
– Não tem… Mas
se quer o demónio morto, vai ter de correr esse risco.
O Lorde
Chamberlain aproximou-se do padre e começaram os dois a sussurrar. Por fim, o
nobre afastou-se do clérigo e virou-se novamente para William.
– Vai receber
metade do pagamento agora e a outra metade quando me trouxer a cabeça do
demónio. Veja isto como uma garantia de que o trabalho vai ser feito.
– Muito bem!
Temos negócio – declarou William.
O nobre
dirigiu-se então à sua secretária e, de uma das gavetas, retirou uma bolsa de
pele. De seguida, aproximou-se de William e deu-lhe a bolsa cheia de moedas.
– Metade agora
e o resto quando o demónio estiver morto.
O caçador de
demónio guardou a bolsa e abandonou a mansão, sempre seguido de perto pelo
imponente lobo. Estava na hora de caçar demónios e, se os instintos de William
estivessem certos, não se teria de esforçar muito para encontrar a criatura.
Ela iria ter consigo…
Continua…