As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 3/5 - Pedro Pereira
William
analisava cuidadosamente o dragão dourado bordado na enorme tapeçaria vermelha.
As suas capacidades únicas permitiam-lhe ver cada ponto dado com grande
detalhe. Quase que conseguia reconstruir mentalmente o momento em que aquela
peça fora criada. Era sem dúvida o trabalho de um mestre artesão, uma peça
digna para adornar o salão de um nobre.
– A minha
família é detentora de grande parte dos terrenos em torno de Wharrom Percy. A
vila tem prosperado graças aos imensos esforços que gerações de Chamberlain têm
feito – declarou o Lorde Chamberlain, quebrando a linha de raciocínio do
caçador de demónios.
O fidalgo era
gordo, careca e ostentava uma espessa barba negra. Vestia umas calças negras e
um gibão branco e, em cima, um pelote negro de meias mangas, com uma capa
aberta e frisada de cor encarnada. Os trajes que envergava não deixavam
qualquer dúvida de que se tratava de um nobre e de que estava habituado a ser
tratado como um.
– Estes
ataques ao povo são péssimos para os negócios… Os desgraçados até já têm medo
de sair à rua!
William batia
com os dedos impacientemente no braço do cadeirão onde se encontrava sentado.
Se havia algo que o caçador de demónios detestava, era conversa da treta.
Perdera já a conta ao tempo a que estava a ouvir os disparates do nobre, sem
que este lhe pagasse ou fosse direto ao assunto.
– Imagine o
que acontece quando as noticias chegarem aos ouvidos dos comerciantes que por
aqui passam! Vou ter um prejuízo enorme! Já me chega os meus trabalhadores não
produzirem o mesmo às custas desta situação!
Tentando
abstrair-se da enfadonha conversa do nobre, William desviou o olhar e recomeçou
a estudar o salão. Junto ao guerreiro, Moonraiser encontrava-se deitado sobre
um luxuoso tapete encarnado e entretinha-se a mordiscar-lhe as pontas.
– Como tal, é
trabalho da minha família assegurar o bem-estar da população desta vila! Foi a
missão do meu pai, do meu avô e de muitos outros Chamberlain antes deles!
William
levantou-se e preparou-se para abandonar o ostentoso salão.
– Espere! Onde
vai?! Ainda não falámos sobre o demónio! – protestou o nobre.
– Nem vamos
falar… Eu não vim aqui para ouvir contar a história da grande família
Chamberlain. Estou-me nas tintas para quantos terrenos tem ou para os seus
negócios com os comerciantes! Eu vim aqui porque me disseram que tinha um
trabalho e que ia ser bem pago…
– Sim, mas é
claro que sim! Por favor, deixe-me oferecer-lhe um copo do nosso melhor vinho!
Não querendo
perder mais tempo, William dirigiu-se para a porta. Naquele momento a porta
abriu-se, permitindo a entrada de um homem de batina.
Ao lado de
William, Moonraiser começou a rosnar ao desconhecido.
– Oh, bons
olhos o vejam, padre Alexander! Estávamos mesmo à sua espera! Por favor,
junte-se a nós!
O padre era
mais alto que William, o seu corpo era esguio, dando-lhe um ar frágil. Os seus
cabelos loiros e lisos estavam penteados na perfeição. O negro das suas vestes
clericais contratava com o tom claro da sua pele.
William sentiu
que os olhos azuis do padre o percorreram de alto abaixo. A maioria das pessoas
acabava demasiado intimidada pelo seu aspeto, mas o padre não. Havia qualquer
coisa de perigoso no religioso. Disso, William estava certo.
– É um prazer
conhecê-lo – declarou o padre num tom de voz apático.
William
apertou a mão ao padre e voltou a sentar-se sem tirar os olhos do clérigo.
– O padre
Alexander tem ajudado a combater o demónio. Ele chegou a Wharram Percy pouco
antes de os ataques começarem.
– É um
infortúnio o mal que se abateu sobre esta população – declarou o padre,
passando com a mão pelos cabelos loiros.
– Já conseguiu
identificar o tipo de demónio com que estamos a lidar?
– Infelizmente
não. Mas parece ter uma atração especial por mulheres. Ainda não houve uma
única vítima masculina. Que as suas almas descansem em paz!
– Já houve
vítimas masculinas! Ou está a esquecer-se do que aconteceu à família Percy?
– O que
aconteceu?
– O Lorde Brom
Percy enviou-me uma mensagem na qual afirmava ter descoberto o covil do
demónio. Ele estava a trabalhar connosco para deter a criatura… Apenas tive
tempo de informar o padre Alexander de que o Lorde Percy descobrira algo.
– Nunca teve a
oportunidade nos contar o que descobriu – continuou o padre. – Infelizmente,
nessa mesma noite a mansão dos Percy ardeu. Toda a família morreu… Uma
tragédia!
– E que
conveniente para o demónio! Se o vosso demónio prefere rabos de saias, muito
provavelmente é um Íncubo. Vou até ao que resta da mansão dos Percy ver se
descubro algo sobre a criatura.
– Faça como
entender melhor – declarou o nobre.
– Mas antes
disso, vamos ao que interessa… As minhas quinhentas moedas de ouro.
– Quinhentas
moedas?! Quem pensa que é para cobrar semelhante quantia a um povo
necessitado?! – protestou o padre.
– Eu não vivo
de esmolas, padre. Além disso, se eu estou aqui é porque vocês não conseguem
tirar esse cú gordo da cadeira para tratar do assunto…
– Lamento, mas
concordo com o padre Alexander. Quinhentas moedas de ouro é uma quantia
bastante elevada…
– Bem, nesse
caso divirta-se com o seu demónio! Tenho a certeza de que o corajoso Lorde
Chamberlain o consegue vencer num combate com a preciosa ajuda do padre…
Mais uma vez,
William virou costas ao nobre e preparou-se para sair do salão.
– Espere! –
pediu o fidalgo. – Digamos que eu consigo reunir essa quantia… Que garantias
tenho de que depois de lhe pagar, não se vai limitar a fugir com o dinheiro?
– Não tem… Mas
se quer o demónio morto, vai ter de correr esse risco.
O Lorde
Chamberlain aproximou-se do padre e começaram os dois a sussurrar. Por fim, o
nobre afastou-se do clérigo e virou-se novamente para William.
– Vai receber
metade do pagamento agora e a outra metade quando me trouxer a cabeça do
demónio. Veja isto como uma garantia de que o trabalho vai ser feito.
– Muito bem!
Temos negócio – declarou William.
O nobre
dirigiu-se então à sua secretária e, de uma das gavetas, retirou uma bolsa de
pele. De seguida, aproximou-se de William e deu-lhe a bolsa cheia de moedas.
– Metade agora
e o resto quando o demónio estiver morto.
O caçador de
demónio guardou a bolsa e abandonou a mansão, sempre seguido de perto pelo
imponente lobo. Estava na hora de caçar demónios e, se os instintos de William
estivessem certos, não se teria de esforçar muito para encontrar a criatura.
Ela iria ter consigo…
Continua…
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