As Crónicas de Decessus – O Demónio de Wharrom Percy 4/5 - Pedro Pereira
William passou
o resto do dia a inspecionar o que restava da mansão da família Percy. O fogo
parecia ter-se propagado de uma forma estranha, afetando mais a zona norte da
mansão, destruindo tudo à sua passagem. William parou subitamente quando se
aproximou das propriedades adjacentes a norte. Estas não se encontravam sequer
chamuscadas, dando a ideia que o incêndio consumira a mansão de fora para
dentro. O forte cheiro a enxofre no ar e a propagação do fogo, levava o caçador
de demónios a crer que o incêndio tinha tido causas sobrenaturais.
Acompanhado
por Moonraiser, o caçador vasculhou as poucas divisões da zona sul que tinham
sobrevivido, procurando algum registo da informação que custara a vida à
família Percy. Porém, o fogo atingira a mansão com tal violência que pouco
restava. Apagar o rasto era fundamental para os demónios que se disfarçavam de
humanos. Estes tinham de esconder a sua identidade para manterem o seu terreno
de caça e aquele demónio em particular sabia bem como cobrir os vestígios.
No exterior,
tinha começado a anoitecer, cobrindo o local de sombras, dando um ar ainda mais
desolado ao local.
William ouviu
um som vindo do corredor que dava acesso ao quarto onde se encontrava. Eram
passos… Preparando-se para um possível combate, apertou o punho prateado da
espada.
– Decessus, calculei que o encontrasse por
aqui…
– É um pouco
tarde para explorações. Não acha, padre? – questionou sem retirar a mão do
punho da espada.
Junto a
William, Moonraiser começou a rosnar.
– Descobriu
alguma coisa de interesse?
– Nada de que
eu não desconfiasse já… O que faz aqui a estas horas?
– Vim ver se
já tinha descoberto algo… Realmente foi uma tragédia o que aconteceu à família
Percy – comentou o padre enquanto observava as paredes cobertas de negro.
– Há algo que
eu não percebo em relação ao Lorde Percy, se ele possuía informações
importantes sobre o demónio, porquê avisar apenas Chamberlain? Supostamente o
padre também estava a ajudar a capturar o demónio…
– Está a
insinuar algo? – questionou o padre calmamente.
– É um pouco
estranho ter chegado à vila antes de os ataques começarem…
O clérigo
sorriu e começou a andar lentamente em círculos pela sala.
–
Coincidências…
– Eu não
acredito em coincidências – comentou Wiiliam. – Não me espanta que Chamberlain
e os habitantes da vila não consigam capazes de ver através da sua máscara. O
disfarce de padre benfeitor quase me enganou. Por vezes, a verdade mais difícil
de se ver, é a que está mesmo em frente aos nossos olhos…
O sacerdote
parou de frente para William e sorriu, passando a mão pelos cabelos loiros.
– Estou
curioso… A sua fama precede-o, mas de todos os relatos que ouvi, nunca ninguém
mencionou o seu aspecto peculiar…
– E porque o
haviam de fazer? Não sou propriamente nenhuma rameira com um bom par de tetas…
– Ora, ora...
Não é muito comum encontrar sujeitos com o seu aspecto. Cabelos brancos,
penetrantes olhos amarelos… Nasceu com essas características peculiares, ou desenvolveu-as?
– Quando era
criança, fui possuído por um demónio. Os meus pais arranjaram um padre para
executar o exorcismo, mas o desgraçado tinha pouca experiência e o demónio era
demasiado forte. Eu recuperei o controlo do meu corpo, mas a criatura continua
aprisionada dentro de mim.
– Daí os
cabelos brancos e os olhos amarelos – concluiu o padre. – Mas se assim é, de
certeza que deve ter adquirido outras habilidades bastante úteis…
Decessus deixou escapar um grunhido.
– Ainda não me
disse o que faz aqui, padre?
Alexander
sorriu e dirigiu-se para junto de uma janela, deixando que a luz da lua lhe
banhasse a pele clara.
– Durante a
minha vida, cruzei-me com indivíduos com habilidades pouco naturais. Muitos
destes casos eram deveras fascinantes! Mas você… Você é o primeiro que
conseguiu domar um demónio aprisionado no seu interior. Tal controlo sobre a
criatura decerto que lhe trouxe algumas habilidades.
– E qual é o
seu interesse?
– Digamos que
eu gosto de colecionar capacidades invulgares… Quais são as suas? Força
sobre-humana? Velocidade sobrenatural? Reflexos extraordinários? Ou talvez algo
mais discreto? Vidência, por exemplo?
Wiiliam
apertou com mais força o punho da espada.
– Demasiadas
perguntas – respondeu o caçador de demónios. – Para um Íncubo é bastante
corajoso. Se eu fosse a si já me tinha colocado a milhas, não está à minha
altura…
– Um Íncubo?! Talvez os rumores
sobre as suas capacidades como caçador sejam exagerados…
– Geralmente
são – respondeu William em tom trocista. – Mais uma vez, qual é o seu interesse
nas minhas habilidades?
– Absorver
todas estas habilidades, domá-las, torná-las minhas… Chegará o dia em que
ninguém será capaz de se opor à minha vontade.
– Não me
parece que haja muitas habilidades em Wharron Percy…
–
Infelizmente, a minha fome aumenta com os meus poderes. Toda a gente tem de
comer…
– Um bocadinho
tagarela para demónio sugador de vidas, não? – comentou William.
O padre sorriu
com desdém.
– Não estás à
minha altura, Decessus.
–
Isso é o que iremos ver…
– Sabes o que
vai acontecer a seguir, certo? Vou partir cada osso do teu corpo deixando-te
com dores excruciantes. E quando terminar, sugo-te a vida e os poderes muito
lentamente…
– Prefiro a
versão em que te deixo as entranhas de fora e a cabeça espetada numa lança,
para os corvos a debicarem…
William
desembainhou a espada e lançou-se ao ataque, mas o padre esquivou-se com um
salto sobre-humano. O guerreiro ouviu os ossos de Alexander a estalar, enquanto
este se contorcia e o seu corpo mudava de forma, revelando a sua verdadeira
identidade.
A criatura que
se erguia agora em frente a William tinha uns dois metros de altura, possuía um
corpo musculado, com ombros largos e andava curvada. A transformação do padre
reduzira a sua roupa a farrapos, revelado um denso e espesso pelo de tonalidade
escura. No entanto, e apesar do porte imponente da criatura, era a cabeça que a
tornava verdadeiramente aterradora. Possuía dois enormes chifres, semelhantes
aos de um boi, que lhe nasciam um pouco acima dos penetrantes olhos vermelhos.
O focinho do demónio terminava numa boca composta do que pareciam ser quatro
mandíbulas extensíveis, repletas de afiados dentes e que escondiam uma longa e
musculada língua negra, que terminava em dois aguçados espigões.
O que se
erguia à sua frente não era um Íncubo, mas sim um Chichevache. Os Íncubos, tal
como a sua versão feminina, o Súcubo, alimentam-se da energia vital das suas
vítimas, colocando-as num transe profundo enquanto lhe sugam lentamente a vida
do corpo. Contudo, alguém experiente como William, facilmente seria capaz de
quebrar o transe induzido pelo demónio. Porém, um Chichevache era um adversário
temível. As criaturas podiam viver milénios e serviam-se da sua língua para
sugar a vida e as capacidades às presas. Quantos mais anos viviam, e vidas
ceifavam, mais fortes se tornavam. Avaliando o comprimento dos chifres daquele
Chichevache, tratava-se de um bem antigo e poderoso.
O Chichevache avançou em força sobre William,
obrigando o guerreiro a desviar-se. Aquele ia ser um combate duro…
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1 comentários:
Já nem me lembrava deste conto!
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