Crónicas Obscuras: Dança do Corvo (1/8) – Asas na escuridão – Vitor Frazão

O vento desliza pelos ramos, fazendo estalar as folhas ao luar. Pés pequenos, envoltos em waraji esmagam o solo amolecido pela chuva, ao adoptarem uma posição sólida, em preparação para a batalha. Uma mão pálida, aparentemente delicada, ergue-se para agarrar a bainha negra à cintura, atada com firmeza de encontro ao hakama, enquanto outra atravessa diante da barriga, pousando sobre o punho da katana desprovida de guarda. 

Entre árvores milenares, cuja altura parece desafiar o Céu, envolta em sombras que enegrecem a sua palidez sobrenatural, está uma pequena guerreira loura de feições cheias, quase angelicais. Os seus olhos azul-esverdeados brilham a cada mudança de luz. 

O silêncio e o negrume escondem uma paz falsa. Ela sabe que não está sozinha. Sente o bater dos corações e, pelo canto do olho, consegue ver os inimigos moverem-se entre as copas. À distância que estão, o sangue que lhes corre nas veias, que devia ser para ela como fogo na escuridão, não passa de uma faísca fugaz. Conhecendo bem a rapidez dos adversários, a filha da noite não se deixa enganar pela ilusória segurança que o espaço entre eles proporciona. 

Procurando suprimir o nervosismo, a vampira passa a língua pelos caninos. Nesse exacto momento, um dos corações bate mais depressa, fazendo-a virar para o atacante, que voa na sua direcção, batendo as asas ruidosamente, naginata em mãos. 

“É uma distracção” apercebe-se, sacando da espada e preparando-se para atacar o outro inimigo que plana na sua direcção, vindo de trás. Vê-o, ficando impressionada por constatar que se encontra tão relaxado, que o coração bate como se estivesse sentado a beber chá e não no coração de uma batalha. Não fosse pela sua experiência, a vampira nunca o teria sentido aproximar-se. Infelizmente, também ele era um engodo. 

Mesmo com Pulsar, Eleanora quase não detecta a tempo um tengu que cai do céu em voo picado, directamente sobre a sua cabeça, qual falcão-peregrino a tomar partido do ângulo morto, sendo apenas graças aos seus reflexos sobrenaturais que consegue evitar ser empalada pela longa lança. Desviada pela katana, a lâmina dupla da lança limita-se a rasgar de alto a baixo a manga esquerda do quimono masculino, enquanto Eleanora recua, saindo do caminho do Oculto voador, na esperança que ele se despenhe ao falhar o alvo. Demonstrando uma incrível perícia física e agilidade mental, o yokai voador recupera de imediato, planado graciosamente para longe, sem sequer tocar no chão. A vampira sente as penas das asas do inimigo no rosto, mas não reage a tempo de lhe acertar. 

Quase de imediato, vê-se obrigada a usar a katana para desviar a lâmina de outro tengu e depois a rebolar sobre o ombro para fugir à naginata de um terceiro, aquele cujo coração batia com o poder de ondas a esmagarem-se contra penedos. A mortal dança prossegue. Os três yokai voadores, rápidos e precisos, acossam-na em círculos cada vez mais apertados, em vagas que a impedem de concentrar-se num alvo. A vampira baixa-se e, em vez de ficar sem pescoço, é-lhe cortado o rabo-de-cavalo louro, preso no topo da cabeça. Rolando para a frente desvia-se de uma arma e, dessa posição vulnerável, deflecte outra com a katana. Os cabelos soltos caem-lhe sobre o rosto ao erguer-se, sendo então que os arqueiros atacam.


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1 comentários:

Carlos Silva disse...

Fez-me lembrar a Casa dos Punhais Voadores. O ritmo do texto faz-nos imaginar uma luta quase dançada.

Muito bem :)

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