Paixão 1/4 - Liliana Novais

Tobi preparava-se para sair de casa. Vestiu a jaqueta, ajeitando o pentagrama de metal que adornava a sua lapela. Ele odiava-o, mas era uma imposição pelos Outros. Ele era um Erak, um ser com magia, e como tal tinha de andar identificado. Sair de casa sem ele, era um crime punível com a morte. Tudo lhe era negado, não podia pertencer à sociedade Oriniana, mesmo sendo descendente de um dos grandes reis. Se não tivesse ocorrido a Grande Guerra estaria a habitar num palácio, ao invés da sua cabana decrépita que dividia com a sua família de oito pessoas. Ele desprezava aquela vida, as restrições, o ódio e a discriminação. 



O dia nascera limpo, a neve começara a derreter e a revelar o manto verde que se ocultara durante todo o Inverno. Inspirou o ar ainda frio da manhã. Tinha de ir para a casa do Lord Huntington, onde trabalhava como como escriba e guarda-livros da família Huntington. Assumira a posição que o seu falecido pai ocupara. Enquanto filho mais velho era a sua obrigação sustentar a família. Nesse dia a mansão estava em alvoroço, a filha mais velha do Lorde, Athena, iria regressar a casa após uns anos num colégio para meninas. Tobi desejava poder enviar as suas irmãs para um lugar desses mas isso era-lhe negado. 



Ele estava perdido nos seus pensamentos nos eu caminho para o trabalho, quando um homem apressado derrubou, atirando-o para uma poça de lama. 

- Desculpe, senhor… - Começou o indivíduo, cessando assim que olhou para a lapela de Tobi e viu o símbolo. – Só podia ser, um Erak… O que fazes aqui? A cidade é proibida para os da tua raça. Vou chamar a guarda para te colocar no teu lugar! O meu caminho ser impedido por uma reles amostra de homem! – O seu tom de voz revelava o desprezo que sentia. Este sabia que tinha de sair daquela situação complicada e chegar sem mais percalços ao seu trabalho. Dispensava mais problemas e Lord Huntington detestava atrasos. 

- Meu caro senhor, peço desculpa por me ter colocado no seu caminho. Mas foi um acidente. Perdoe-me a ofensa. Eu sou escriba do Lord Huntington, e por isso tenho autorização para atravessar a cidade a caminho do meu trabalho. Tenho aqui o papel assinado pelo Governador que atesta essa mesma autorização, caso queira ver. – Respondeu cordialmente, quase bajulando o seu interlocutor. 

- Deixa estar. – Respondeu o homem, não queria arranjar problemas com os empregados do Lord. Acabaria por ter de dar muitas justificações e pedir desculpa por ter desestabilizado o dia de sua excelência. – Eu deixo-te ir desta vez, mas da próxima sou eu mesmo que te ensino uma lição e te coloco no teu devido lugar. – Terminou elevando a sua mão em tom de ameaça. Tobi sentiu o sangue a aquecer-lhe e correr mais depressa nas veias, mas sabia que nada podia fazer contra aquele homem caso quisesse viver. Ele acabara de se livrar de um valente acoitamento. 

Enquanto o homem se afastava, Tobi levantou-se do chão e tentou limpar a sujidade o melhor que conseguia. Já estava a ficar atrasado e logo naquele dia tão importante. O seu patrão pedira-lhe para chegar mais cedo para adiantarem o trabalho. Este era um dos poucos Eluars que ainda contratavam Eraks para trabalharem para si. Ele compreendia que as diferenças eram poucas, mas tinha de cumprir a lei e portanto todos os funcionários viviam no gueto de Thornsol e não na sua sumptuosa propriedade. 

Assim que entrou no escritório, Tobi explicou em pormenor o que se passara na cidade ao Lord Hungtinton. Não queria ter problemas no trabalho, mas também não queria parecer queixinhas. 

- Sei bem de quem fala, Tobi. Esse homem sempre foi um pouco brusco em relação à sua casta. – Começou o Lord. – Não se precisa de preocupar que não está atrasado. Vamos lá pôr as mãos à obra que à hora do almoço a Athena chega e quero ter a tarde livre para passar com ela. 

- Muito obrigado, senhor, e vamos a isso. – Respondeu Tobi enquanto acenava com a cabeça em concordância. 

A manhã passou sem que ele desse por isso, escrevera imensas cartas ditadas pelo seu patrão. Foram interrompidos pela esposa do Lord que entrou para avisar que Athena estava a chegar. 

- Bem Tobi, penso que por hoje seja tudo. Não preciso mais dos seus serviços. Tem a tarde para passar com a sua família. E não se preocupe que lhe vou pagar o dia completo. Eu é que o estou a mandar para casa. 

Ele sentiu-se mais aliviado, o parco salário que recebia era essencial para manter a sua família alimentada o mês inteiro e a falta de metade do vencimento diário causaria um transtorno enorme. Ele tinha por hábito sair pela porta de serviço e foi quando saía do escritório que se cruzou com ela, a mais bela mulher que alguma vez vira. Não podia acreditar que aquela era a mesma menina-rapaz desmazelada que anos antes corria pela casa e trepava às árvores. À sua frente tinha uma jovem mulher de cabelos loiros bem penteados, com curvas acentuadas e seios proeminentes. Ele ficou espantado com a mudança que ela sofrera. 

Estava já a sair da mansão quando uma mão pousou sobre o seu ombro. 

- Espera. – Disse uma voz feminina e doce. – Nem me dizes olá Tobi? 

- Desculpe menina, mas não é comum dirigirmo-nos assim aos patrões. – Respondeu olhando para o chão. 

- Tobi, nem pareces tu! Ao fim destes anos todos tratas-me assim. – Respondeu irritada. – Aqui estou eu exausta de uma longa viagem a tentar falar contigo e tratas-me com tanto desprezo? O que é que eu fiz para merecer isso? 

O coração de Tobi amoleceu. 

- Athena acalma-te por favor. Sabes bem que não te consigo ver a chorar. 

- Tu sempre soubeste fazer-me sorrir. 

- As coisas mudaram muito por aqui. Já não somos crianças, não podemos ser amigos, nem sequer ser vistos a falarmos um com o outro. 

- Estás muito resignado Tobi, não pareces aquele menino que subia comigo às árvores na floresta. 

- O nosso castigo foi brando. Foste mandada para longe e eu levei umas valentes chicotadas apenas pela nossa amizade. – Explicou. 

- Mas… 

- Se eles soubessem que eu te mostrava magia tinham-me morto. 

- Por favor Tobi, vamos falar com mais calma. Depois da festa no nosso lugar secreto? Ele assentiu com um gesto. Não conseguia parar de pensar na Athena, como ela tinha mudado e como fizera o seu coração bater descompassado.

Parte 4:

Parte 3: 
Parte 2: 

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