O Protótipo (genorosidade) - Pedro Cipriano

Ao entrar na sala, Armin viu que o painel de administradores da empresa o aguardava em silêncio. 

– Bom dia, meus senhores – anunciou, com um sorriso como eles poucas vezes tinham visto. 

Os assessores levantaram-se para o cumprimentar. 

– Tenho boas notícias. O protótipo em que estávamos a trabalhar teve o seu primeiro teste positivo – anunciou, observando cuidadosamente o painel executivo. 

– E os custos? – perguntou um dos gestores. 

– Cada unidade vai custar-nos cerca de 60 mil, a maioria dos componentes é tecnologia comum. 

– Isso significa que qualquer pessoa o pode replicar em casa? 

– Discordo – comentou um deles, com óculos de aro e uma gravata verde – acho difícil reverterem a engenharia. Só outra companhia o poderia fazer, mas com isso podemos nós bem, basta registar a patente. 

– Eu concordo. Hoffman, qual o preço alvo de mercado sugerido? 

– As estimativas apontam para 1.1 milhões. 

Fez-se silêncio na sala. 

– Meus senhores, está na hora de voltarem ao trabalho – ordenou, terminando a reunião. 

Todos saíram. Uma vez sozinho na sala sentiu-se desapontado, fora o projecto mais importante da sua vida, mas não se considerava realizado agora que o completara. O protótipo iria revolucionar as viagens espaciais, tornando-as suficientemente baratas para uma família de classe média poder comprar a sua própria nave. O veículo era tão fácil de construir que o poderiam fazer num dos países de terceiro mundo a preços irrisórios. Seria um dos homens mais ricos do planeta, como o seu pai sempre desejara. 

Levantou-se e saiu. Àquela hora a sede da sua multinacional fervilhava de actividade. Ao caminhar até ao seu escritório, foi cumprimentado com sorrisos, sinal de que as boas notícias se espalhavam depressa. Nem isso conseguiu sanar o mau humor que se apoderara dele. Por alguma razão, a ideia de passar de multi-milionário para multi-bilionário não era tão apelativa como julgara. 

Entrou no escritório decorado num estilo conservador. Sentou-se no seu cadeirão de couro e poisou as folhas que trazia na mão em cima da secretaria com quatro séculos. Num impulso, pegou no telefone. 

– Carmen, traga-me um café e avise que não estou disponível durante a próxima hora. 

Andou ao acaso pela sala. Numa mesinha ao lado, um empregado colocara os jornais do dia, já abertos nas notícias que considerava mais importantes. Olhou para os títulos. O nível do mar tinha subido um centímetro no último ano. A China tinha ameaçado usar o seu poder nuclear se as divergências com os USA não fossem resolvidas. Os níveis de metais pesados no ar tinham aumentado 8% no ano corrente. A divisão blindada turca passara a fronteira da Grécia, iniciando mais uma guerra. 

Sonhou que com a invenção da sua companhia poderia até ser o homem do ano. Mas nem isso o deixou melhor. Sentia um vazio, talvez por ter dedicado tanto tempo àquele projecto. 

A secretária entrou e poisou a caneca na mesa, saindo de seguida, quase sem ruído. 

Imaginou as vendas dispararem, quando inúmeras famílias tentassem escapar para as colónias na Lua ou Marte. Achou que já ninguém acreditava que os problemas da Terra se pudessem resolver. 

Contudo, a sua consciência atormentava-o, como se tivesse cometido um crime. Mais uma vez pegou no telefone. 

– Ingo, lembras-te daquela formação que querias dar ao pessoal de IT? Quero que a dês agora. A presença de todos é obrigatória. 

– Mas isso não vai deixar ninguém a tratar dos nossos servidores. 

– Deixa só um ou dois de serviço e depois dás-lhe a formação mais tarde. 

Fez aparecer a sala de reuniões no ecrã virtual que projectava em frente à sua secretária. Esperou que todos os especialistas se sentassem para afastar a projecção para a direita e abrir outra. Introduziu as credenciais e acedeu às ligações do servidor onde guardavam os projectos. Sorriu, encontrara o que procurava. Filtrou as ligações, ignorando as que vinham de fontes seguras, e deparou-se com meia dúzia de ataques ao sistema. Coçou o queixo. Uma vinha de um proxy familiar. Procurou as referências. 

Na projecção lateral, a formação começara. 

Olhou para os resultados e entendeu imediatamente o que se estava a passar. Um grupo de hackers internacionais tentava obter os projectos da empresa. 

A sua consciência só lhe deu uma opção. Com a sua chave de administração, deu-lhes acesso total. Em breve, o projecto estaria disponível para todos.


2 comentários:

Leto of the Crows - Carina Portugal disse...

Um conto simples, mas que reflecte bem a virtude em si. E também mostra que as pessoas demasiado virtuosas podem cometer erros.

Joel-G-Gomes disse...

Demasiado curto, na minha opinião, para o tema que é. Está lá tudo - a sensação de vazio após chegar ao topo, a busca de um propósito novo e o altruísmo final - só que faltou desenvolver mais a personagem. Não temos tempo de desprezá-la, odiá-la ou estimá-la. As coisas acontecem tão depressa que não há tempo para isso.
Armin toma as suas decisões por via da introspecção quando deveria tomá-las por via da observação. Seria ao observar as consequências das suas acções (ou falta delas) que ele se aperceberia do que deveria fazer. Ao deixar que a sua consciência decida, das duas uma: ou havia já uma predisposição para a decisão tomada (e nesse caso não se pode considerar que tenha havido uma decisão, quando muito uma aplicação tardia) ou havia uma tendência para ambos os lados e o que ganhou, ganhou quase por mero acaso.
Tudo isto é opinativo, como é óbvio, e de importância reduzida. Mais importante é corrigirem o título, pode ser?

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