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Liliana Novais
Morte Branca - Liliana Novais
Era véspera do dia de Todos os Santos, feriado que nos
leva aos cemitérios e a honrar pessoas a quem não dávamos importância em vida.
Eu estava sentado no sofá de minha casa olhando para o ecrã da televisão sem
prestar grande atenção à emissão. Na casa ao lado uma festa do dia das bruxas
parecia não ter fim. Malditas importações culturais. Nada daquilo é nacional é
apenas uma desculpa para as raparigas se vestirem de prostitutas, e os rapazes
sentirem-se viris, sem ninguém se importar com isso. Eles divertem-se com uma
ilusão, será que as bruxas virão esta noite e acabarão com esta diversão toda?
Ao menos teria descanso.
Estava a pensar chamar a polícia, quando o chão começou
a tremer. A festa parou e os gritos histéricos substituíram a música.
Eu vivera uns anos em Los Angeles e sabia o que fazer.
Abriguei-me debaixo da minha mesa de centro e esperei que o pior passasse.
Sabia que na pior das hipóteses demoraria uns minutos.
O tempo passou e a intensidade aumentou como se algo
enorme se aproximasse de nós.
As raparigas gritavam cada vez mais histéricas.
- Fujam! Fujam! Que ele vem aí. Salvem-se!
A curiosidade levou a melhor sobre a prudência e
abandonei o meu refúgio para ver o que se passava na rua. Parado à minha porta
as pessoas fugiam a correr.
- Fuja que ele vem aí! - Desatando a correr novamente.
Antes que eu lhe pudesse perguntar do que fugia, ele
desapareceu na multidão aterrada, que corria desordenadamente, a gritar em
plenos pulmões. Eu, sem saber o que fazer, continuei a assistir àquele espetáculo
como se de um filme se tratasse.
Os meus pés começaram a elevar-se do chão. No final da
rua, vislumbrei, finalmente, do que aquelas pessoas fugiam… Um enorme coelho
branco roía uma árvore num quintal. Ele devia ser tão alto como uma casa de
dois andares, e o seu apetite voraz, acabaria por consumir tudo à sua passagem.
Eu olhava aterrado para aquele monstro, os seus dentes eram enormes fiquei
estático por momentos, sustendo a respiração tentando entender o que aquele
bicho era e como era possível ele existir
Juntei-me à multidão assustada. O meu coração batia
descompassadamente. De onde teria vindo tal monstro?
Afastámo-nos dele enquanto ele comia consolado mais um
jardim e uma outra árvore. Era a primeira vez que via tal bicho comer madeira.
Mas também nunca vira um coelho gigante antes. Eu tremia como varas verdes,
custava-me a respirar, sentia um enorme peso sob o meu peito
- Ouvi dizer que ele comeu um ser-humano. - Comentou um dos
homens, entre as dezenas, que se encontrava escondido debaixo de uma ponte
comigo -.
- Os coelhos não comem carne. - Respondeu outro. - Do
que eu tenho medo é de ficar esmagado numa das suas gigantescas patas.
- Eu ouvi a mesma coisa. A mulher de um vizinho meu contou-nos
que ele lhe comeu o marido, quando este o tentou enxotar.
Eu ouvia aqueles relatos, atentamente, e pensava no
trabalho do meu pai. Cientista militar, tudo o que ele fazia era secreto e algo
me dizia que ele estaria envolvido. O seu animal de estudo preferido era o
coelho, devido à sua rápida multiplicação. Imaginava como seria ser comido como
se de uma cenoura me tratasse. Ver aquele animal mastigar um ente querido sem
poder fazer nada para impedir deve ser uma agonia e dor enorme.
Pelo tremer do chão sabíamos que o raio do bicho estava
novamente em movimento. E aproximava-se rapidamente. Nós não podíamos
permanecer ali, assim que ele tentasse transpor a ponte que ligava as duas
margens de Vilarejo, ela cederia com o peso. Acabaríamos mortos naquele lugar
sob os escombros.
A parte onde o coelho se pavoneava estava completamente
destruída e parecia que, quanto mais ele devorava, maior se tornava.
A população não sabia o que fazer. O presidente da junta
tentava, a todo o custo, entrar em contacto com a Protecção Cívil. Contudo os
postes das linhas fixas haviam sido devoradas e as antenas das redes móveis
atiradas ao chão.
Sem saber o que fazer, os autocarros da junta e as
carreiras, esperavam pelos habitantes, tentando levar todos para fora da
cidade. Estes entravam, rapidamente, atropelando-se para encontrarem uma vaga,
um pequeno espaço onde coubessem nos já atolados veículos. Partiam nestes
sentados, em pé. Mas, estes salva-vidas não levariam toda a população, alguns
seriam deixados para trás à sua sorte. Cada um tentava salvar-se sem olhar a
quem ultrapassava.
Eu fui um dos que fiquei para trás, sem ter espaço para
me salvar. Sabia que iria morrer ali.
Estava numa pequena colina e vi o bicho atravessar o rio
com um salto apenas. Nada o conseguiria parar. Os poucos elementos da Guarda
Nacional Republicana que estavam aquartelados na nossa aldeia, disparam contra
ele, tentando detê-lo. Para meu espanto, e horror, estes foram devorados pelo
esfaimado coelho.
Era o meu fim. Em breve o animal estaria ali e os seus
olhos vermelhos seriam a última coisa que veria. Aceitei o meu fim e sem medo dirigi-me
na sua direção, de encontro a morte branca que me aguardava faminta.
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3 comentários:
Antes de mais, penso que o texto precisava de uma revisãozinha. Depois do "antes de mais", posso dizer que fiquei com vontade de me rir com esta do coelho gigante. E a imagem está muito fofa.
Contudo, não senti muito o espírito de Halloween.
Tenho de concordar com a Leto no que diz respeito à necessidade de uma revisão e de ser preciso um pouco de boa vontade para considerar isto "halloweenesco".
Os comentários à "Velha do Restelo" pareceram-me desnecessário, mas, vá, enfim, fazem parte da personalidade da personagem.
A premissa de um coelho gigante assassino poderia ter dado pano para mangas... se tivesse sido melhor explorada. A corrupção de algo 'fofinho e queriducho' é um dos artifícios mais usados das histórias de terror. Em 'Cujo' Stephen King transforma uma amigável São Bernardo num monstro assassino.
A revisão de texto seria outro factor a ter em conta, mas vou ignorá-lo por ora e concentrar-me apenas na história em si.
E o que a história precisava mais era de menos explicação. Não sabermos de onde vem o coelho, saber apenas que ele está ali, provoca mais impacto do que conjecturar possíveis origens. Talvez tenha sido uma experiência militar fracassada, talvez seja um coelho gigante vindo do espaço, de outra dimensão. Nada disso tem interesse para uma história tão curta.
E mesmo sabendo que não tem qualquer hipótese, preferia ter visto o personagem principal a tentar salvar-se ao invés de correr para a boca do lobo, neste caso coelho.
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