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Os Kravyads
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Vitor Frazão
Os Kravyads 2/7 – Segredos de família – Vitor Frazão
- Anath é tu? –
inquiriu, em hindu, uma voz feminina, vinda detrás de uma lascada porta de
madeira.
- Sim, mãe –
respondeu ela, em português, tirando o longo e grosso casaco preto que
envergava, pendurando-o no cabide junto à porta.
Apesar da
estranheza da situação lhe ter estragado a fantasia, uma parte de Luís não
conseguiu evitar deslizar de volta para a ilusão, ao ver as curvilíneas formas
de Ana, favorecidas por uma camisola de lã vermelha e jeans justas. O simples poder da luxúria talvez tivesse sido
suficiente para cativá-lo de novo, se não fosse pela súbita e radical mudança
de atitude da rapariga. Embora mantivesse uma beleza quase sobrenatural, a
simpática, tímida e ligeiramente travessa jovem que conhecera e que o atraíra
ali, perdera todo o calor, tornando-se numa mulher arrogante e fria, que nem
parecia interessada em olhar para ele. Na verdade, aparentava dar-lhe tanta
importância como a uma minúscula poça de lama, limitando a sentar-se, numa
cadeira junto à entrada, com uma mão sobre as pernas cruzadas e a outra a
apoiar a cabeça, como se achasse toda a situação incrivelmente enfadonha.
- Não tiveste
pressa nenhuma… É quase meia-noite! – criticou a mulher mais velha, em
português, entrando na sala, enquanto limpava as mãos ao avental branco que
usava por cima de uma camisola de lã azul-escura.
- Isto é alguma
piada? – perguntou Luís, cada vez mais confuso. – É a tua mãe? És adoptada?
- Não – respondeu
Anath, sem sequer olhar para ele, usando um tom de voz que dava a entender que,
por vezes, desejava sê-lo.
O choque do jovem perante a confirmação do
laço sanguíneo não se devia tanto a Ana ser alta e esbelta, com cabelos louros
e olhos cinzentos e a mãe baixa e forte, com cabelos pretos e olhos castanhos,
mas antes, ao facto da pele branca como leite da filha parecer indicar origens
escandinavas, enquanto a progenitora era indubitavelmente do subcontinente indiano.
Embora Luís nada entendesse de genética, parecia-lhe improvável, senão
impossível, aquelas duas serem mãe e filha, por mais nórdico que fosse o pai,
algo acentuado pela total ausência de feições similares.
- Não acredito que
saíste assim à rua – reprovou a mãe, acabando de limpar as mãos ao avental
manchado de sangue. – Isso são preparos?
- Mãe, poupa-me –
cuspiu Anath, farta de ouvir aquele sermão cada vez que saía.
- O que se passa
aqui? – quis saber Luís. – Esta mulher, não pode ser tua mãe…
- Às vezes gostava
de não ser, sempre teria menos desgostos – sentenciou Kunti, abanando a cabeça
em sinal de desapontamento, enquanto se aproximava. – Mas deixa ver o que
trouxeste…
- Ei, minha
senhora! O que?... – protestou Luís, quando a mulher esticou os braços e
começou a mexer-lhe na cara.
Parte do jovem
pensou em ficar quieto e aguentar o escrutínio, não sabendo se aquilo seria um
qualquer hábito cultural que desconhecia, porém, o seu primeiro instinto foi
protestar. Pensando que talvez estivesse a exagerar e não querendo insultar
ninguém, Luís olhou para Ana, na esperança de obter alguma pista sobre como
devia agir, só que esta permaneceu indiferente a toda a interacção,
demonstrando-se mais preocupada em certificar-se que a camisola que usava se
mantinha impecável, do que com o resultado do estranho ritual.
Continuando sem
entender o que se passava, enquanto a mãe de Ana lhe apalpava o rosto, braços e
tronco, Luís notou que algo mudara. Inicialmente, tudo parecera normal, porém,
com o aproximar da anfitriã e à medida que o escrutínio desta se intensificara,
o jovem começou a sentir um invulgar e pungente cheiro, como se alguém tivesse
acabado de esquartejar um animal em decomposição, surgir do nada, tornando-se
cada vez mais forte. Estranhamente esse odor, que ia e vinha, sendo difícil
detectar se não estivesse atento, provinha da mãe de Ana, uma mulher que à
primeira impressão parecera, na verdade, completamente desprovida de aroma.
Mais invulgar ainda era o facto desse inconstante odor parecer estender a sua
mutável influência ao ambiente em redor. Ocasionalmente, Luís pensava ver parte
do velho, asseado e acolhedor apartamento que o rodeava tornar-se em algo mais
sombrio, sujo e sinistro, como se estivesse a observá-lo através de uma cortina
esburacada, abanada pela brisa. Não compreendendo o que percepcionava e
receando ter bebido mais do que julgara, o jovem depressa descartou tudo como
uma ilusão de óptica influenciada pela parca iluminação do hall de entrada, todavia, permaneceu perturbado.
- Não está mal... – decretou a mulher mais
velha, avaliando o jovem como se ele fosse um animal de feira. – Um pouco
magrinho, mas… – comentou, pondo-lhe uma mão na nuca e puxando-o para a frente,
de modo a olhá-lo nos olhos. – Sim… – acrescentou, hesitando por momentos,
antes de rasgar um largo sorriso, aparentemente satisfeita com o que vira. –
Fizeste bem Anath, foi uma boa escolha. Sentirão a falta deste. Dará um óptimo
sacrifício.
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